domingo

Perdido em El Payen

01 de Janeiro de 2008

Saí de Malargue ainda escuro. Fiz alguns quilômetros de estrada muito boa e de cenários lindíssimos, depois os cenários continuaram lindos, mas a estrada era de ripio. 40 Km de ripio até um local chamado Bardas Blancas. Que paciência tem que se ter para percorrer um trecho desses. Bem devagar, com todo o cuidado. E não chega nunca. E vai esquentando o dia.
Quando finalmente cheguei perto da Ruta 40 havia uma encruzilhada. Para esquerda tinha uma tabuleta que dizia YPF 40 Km. Fui para esquerda. Errado. Quando me apercebi do erro já havia andado muito. 40 Km indicavam o campo de exploração petrolífera da YPF, não um posto de combustível. Estava perdido no meio do petróleo, com a gasolina acabando. Comecei a tentar achar uma saída. Qualquer saída significava andar grandes distâncias de estrada de chão. Cruzei por uma camionete e virei à direita. Cheguei num local que dizia ser de alta tensão, que não podia estacionar. Virei à esquerda, andei, andei e voltei ao mesmo ponto. Vi que havia uma saída descendo, em direção à cordilheira. Fui ver no que dava. Dava num beco sem saída. Cansado parei. Desci da moto. Tirei o capacete, as luvas. Virei a moto a pé, pois dirigindo era meio difícil. O lugar com muita pedra solta. Subi na moto, arranquei de volta estrada acima. Vi que deixara as luvas. Voltar nem pensar. Vou sem luva mesmo. Andei, andei, e o combustível diminuindo. Depois de andar bastante encontrei um funcionário da YPF carregando ou descarregando um caminhão. Falei com ele, expliquei que estava perdido e ele me indicou o caminho para a Ruta 40. Fui, andei, andei. Em determinado lugar, tinha que dobrar a direita, seguir reto e chegar a Ruta 40. Cheguei num local e fiquei na dúvida, a estrada para a direita era muito ruim, não podia ser por ali. Mas era. Dobrei a esquerda. Andei bastante para finalmente descobrir que estava perdido. Vi umas placas que indicavam um caminho turístico, eu estava igualmente na Reserva Provincial El Payen, local onde se encontram vários vulcões extintos.


Resolvi seguir as placas. Mas a estrada ia piorando cada vez mais. Não deu para continuar. Voltei. Passei duas vezes por uma casa em que 3 ou 4 cachorros queriam me pegar. Pensava em parar lá para perguntar, mas achei melhor não fazer isso. Cada vez mais quente, cada vez mais preocupado. Cheguei numa encruzilhada, passei por uma santinha na beira da estrada. Resolvi parar e pensar. Onde estou, o que devo fazer, já que o combustível é pouco, não tenho água, não tenho comida e o calor está sufocante. Escolhi uma direção, andei um pouco e avistei uma construção lá embaixo. Era o escritório da YPF. Desci um morro e cheguei lá. Desci, bati na porta. Demorou, mas apareceu um sujeito chamado Mário. Disse que não tinha erro. Fez um mapa de como encontrar a Ruta 40. “Você sobe, chega numa santinha, dobra a esquerda, vai até uns caracoles (onde a estrada faz uma série de curvas), depois cuida que a esquerda vai encontrar uma entrada pequena, entra e segue reto até a Ruta 40. Perguntei para ele,”Tem certeza?” “Não tem erro”, me respondeu. Olha que não tenho mais combustível, preciso achar logo a saída! Fiz o que ele indicou. Achei a Santinha, dobrei a esquerda, passei pelos cachorros a terceira vez, eles correram atrás de mim de novo, cheguei nos caracoles e daí para frente com toda a atenção fui procurando uma estrada à esquerda. Achei uma. Entrei. Era pequena, mas ele disse que era pequena. Andei um pouco e de repente ao contornar um cerro, me apavorei. Uma estrada bem estreita, cheia de pedras no caminho e margeando um cerro, sem nenhuma proteção. Suei frio. Mas ele disse que era por aqui, seja o que Deus quiser. Fui descendo, descendo e finalmente consegui chegar lá embaixo. Andei um pouco e cheguei numa bifurcação. E agora? Para a esquerda não me parece ser. Parei a moto, desci, com muita dificuldade virei a moto para o outro lado, resolvi percorrer o caminho da direita. Era uma reta comprida. Depois de uns 2000 metros cheguei no final da linha, nada mais para frente. Voltei. Então era para o outro lado. Ao chegar na bifurcação tive ali para cair. Consegui equilibrar a moto. Andei um pouco, a estrada deu uma subida e novamente cheguei a um beco sem saída. Desci da moto, e fiquei preocupado. Aqui não vai passar ninguém nunca, isto aqui está completamente abandonado. E eu encharcado de suor. O sol uma brasa. Voltei. Achei outra saída, andei um pouco, saltou uma mulita (pequeno Tatu) na minha frente. Era só o que me faltava mesmo. Acho que se quisesse teria cruzado por cima dela, pois foi alguns metros na minha frente. O caminho virou para esquerda, depois para direita e o que vi fez com que parasse. Tinha um caminho de pedra que seria impossível cruzar de moto, de certeza até o Alexandre Barros não toparia. Bom! Só me restava uma saída. Voltar para o Escritório da YPF. E cruzar por onde havia descido, com mais de 50% de chance de cair da moto. Mas não me restava outra opção. Pensei comigo, vai Eduardo, não tem escolha. Se tiver que ser, vamos já. E fui. Concentrei-me ao máximo para colocar a roda no único lugar que dava para colocar, fui indo fui indo e cheguei lá encima. Cruzei pela casa dos cachorros, mas desta vez descobri outro lado, enganei eles. Cheguei ao Escritório da YPF determinado a não sair dali mais de moto, não interessava o quão bem me explicassem. Desta vez tive a sorte de encontrar um sujeito chamado Gustavo, enfermeiro da YPF, que me deu toda a atenção e cuidados. Levou-me para o alojamento dele, me deu refrigerante, salada de frutas. Disse que providenciariam combustível e que me levariam até a Ruta 40. Ótimo. Levaram-me noutro local onde me deram um sanduíche gigante, que eu não consegui comer nem a metade e mais três pastéis (comi 1). Trouxeram-me mais refrigerante, providenciaram gelo. Eram nessa altura umas 8 pessoas. Como é bom numa hora dessas a gente encontrar gente como aquelas. Fantástico.


Este grupo, funcionários da YPF, será para mim inesquecível. Ao centro de guarda pó verde, o enfermeiro Gustavo, a minha esquerda Marcelo, o mais gozador deles. Bem a direita da foto, de óculos, Jorge, que me levou até a Ruta 40. Ao fundo, em primeiro plano (cor amarronzada) o vulcão Santa Maria.


Tiramos fotografia (na foto acima é o Marcelo), nos despedimos e o Jorge foi me levar na Camionete para a Ruta 40.


De repente Jorge recebe uma comunicação para esperar um pouco. Dali a pouco chega o Marcelo. Esquecera de me entregar a chave da moto. Seguimos em frente. Quando chego à Ruta 40 me apavoro. Cadê o asfalto? Puro rípio, e bem ripio. Digo para o Jorge que pago o combustível para ele me levar até o asfalto. Diz que não pode, pois é controlado através de um aparelho. Pergunto quantos Km tenho que enfrentar. Diz que são 30 Km. Disse isso para não me desanimar. Na verdade eram 50 Km. Que remédio! Descemos a moto. Liguei e me fui.
Que estrada danada. Muita brita solta, às vezes um pedaço de asfalto, que loucura. E eu cansado. O Gustavo tinha me dado uma garrafa de água, mas eu agradeci, disse que em seguida eu parava em algum lugar. Agora eu sei por que ele queria que eu levasse a água. Agora é tarde. A boca seca, calor e aquela estrada que não terminava nunca. Até que chegou num ponto que eu disse. Não dá. Tinha uma areia bem fininha, dessas que a gente vê na praia, cobrindo uns 6 metros de estrada. Achei que não cruzaria por ali sem cair. Quem tem experiência passa, eu resolvi não arriscar. Parei a moto. Resolvi empurrar. Claro que a moto chegou à metade e não foi nem para frente, nem pra trás. Logo em seguida apareceram dois carros de argentinos. Parei-os , contei o meu drama, eles desceram e me ajudaram a empurrar a moto até o outro lado. Beleza. Disseram que eu seguisse na frente. Disse-lhes que eu ia devagar, não queria atrapalhá-los. Foram mesmo assim atrás de mim. Ainda fizemos vários quilômetros de estrada ruim até chegar ao asfalto. Aí cruzaram por mim e foram embora.
Quando cheguei numa ponte, estava entrando na Província de Neuquem, num lugar chamado Barrancas. Havia depois da ponte um Posto de Gasolina. Quando desci da moto declarei ter sido aquele dia o mais cansativo da minha vida. Estava completamente exausto. Tomei um Gatorade, a bebida mais deliciosa que já tomei. Perguntei ao dono do Posto se poderia armar uma barraca ali mesmo. Sem problema, só que não tem nada. Banho, comida, não tem nada. Mas disse que dali 4 Km tinha um Hotel. Subi na moto e fui pra lá.
Quando cheguei ao lugarejo não acreditei que tivesse um hotel. Buzinei na frente de uma casa, e para minha surpresa a senhora que veio falar comigo disse que tinha. Na segunda rua vire a esquerda, depois à direita e o senhor vai encontrar o hotel. Fiz isso e encontrei uma casa em que funcionava um Hotel Familiar. Ótimo o hotel, um quarto com calefação, com banheiro privativo bem bom, com água quente e tudo. Um oásis no meio do deserto. Por módicos 40 pesos. Nunca foi tão barato. Tirei tudo da moto, estava tudo completamente empoeirado. Tomei um banho. Saí para fazer um lanche e quando voltei me deitei e dormi.
Um dia para nunca mais esquecer.

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