domingo

De Comodoro Rivadavia à Puerto San Julian

9 de janeiro de 2008

Acordei cedo, arrumei minhas coisas e fui esperá-los no Posto de Gasolina da Petrobrás no centro da cidade, onde eles marcaram com um pessoal que ficou no hotel. Demoraram a chegar. Depois resolvi sair na frente, já que eles andam mais rápido. Surpreendi-me andando a 120 Km por hora. Acho que será possível acompanhá-los.
Em Calleta Oliva a coisa começou a não dar certo. Numa descida em que o calçamento é bem inclinado para a esquerda, a sinaleira fechou, coloquei o pé, não achei o chão e me fui (décimo sétimo tombo). Logo um senhor veio me acudir, entortei o pedal que troca as marchas. Logo em seguida vem o Paulo, um dos motoqueiros de Uruguaiana. Falou comigo como se eu fosse um imbecil, mas naquela altura dos acontecimentos fiquei quieto. Achamos um mecânico, ele desentortou o pedal e seguimos.
Meus companheiros mostram-se muito agitados, tem muita pressa, reclamam uns dos outros, é uma torre de babel. O Renato é pau para toda obra, mas o grupo é muito heterogêneo. E com isto ele fica também meio agitado.
Continuei bem até chegar num local em que estavam arrumando a estrada e tinha um desvio de ripio. Uns Guanacos resolveram atravessar a estrada. Diminui a velocidade, esperei que eles cruzassem, mas na hora de cruzar por um terreno pior não fui feliz, tinha muita brita acumulada, a moto derrapou e eu caí (décimo sétimo tombo). Este foi o primeiro tombo feio, senti a perna torcer, tornozelo e joelho, e doeu muito. Felizmente pude constatar que não havia quebrado nada. Menos mal. Logo uns argentinos pararam e vieram me socorrer. Um senhor de idade foi super atencioso comigo. Acalmou-me, disse para eu não ter pressa, me trouxe um copo de coca cola. Agradeci muito a eles pela atenção que me dispensaram. Levantei-me, o Osório de Uruguaiana, que de todos é o mais equilibrado, tirou minha moto da brita. Depois eu subi nela e segui adiante. Osório foi à frente, devagar, de modo que pudesse acompanhá-lo e assim chegamos até Três Cerros.
Chegando lá, onde todos estavam, mais uma vez não senti a solidariedade que num momento desses é natural que se espere. Não me dei por vencido. Fiz um lanche e me preparei para seguir. Como eles disseram que iam até Rio Gallegos, aproximadamente uns 400 quilômetros de distância, disse para o Renato que se lá não chegasse até 3 horas depois deles, que ele voltasse, que algo teria acontecido comigo. Garantiu que faria isso. O último que saiu, o Edgar, me avisou; a próxima parada é San Julian. Fui o último a sair.
Se eu pensava que já tinha passado pelo pior, estava enganado. Dali a San Julian são aproximadamente 180 Km. Os primeiro 30 ou 50 Km foram tranqüilos, sem problemas, embora o vento forte, mas aos poucos foi se armando um temporal e eu senti que teria muitas dificuldades. O problema estava no seguinte: eu avisara o Renato que se não chegasse a Rio Gallegos até 3 horas depois, ele teria que voltar pra me socorrer. Então a única saída era chegar a San Julian antes que eles continuassem a viagem. Mas a chuva começou e eu nunca tinha andado na chuva. Se eu estivesse sozinho, eu parava, voltava para Três Cerros, mas não quis incomodar mais o já tão sacrificado Renato. Nem parei para colocar a calça impermeável para não perder tempo. Só Deus sabe o quanto foi difícil, andar na chuva, ter que diminuir a velocidade para 40 50 Km /hora durante a tempestade. Eu usava uma balaclava para o frio. Só que aquilo fazia que com que a umidade e a falta de ar embaçassem a viseira. Às vezes eu enxergava apenas pelo risco deixado por um pingo que escorria. A estrada também não ajudava, era difícil saber onde tinha mais água empossada. E quando cruzava um caminhão era uma loucura. Eu comecei a ficar desesperado, faltavam 90 Km para chegar a San Julian. Em certo momento rezei um pai nosso com a maior fé possível, pedi a Deus que perdoasse meus pecados, que permitisse sair daquela situação. Parar, nem pensar, o acostamento deveria estar liso. Vou em frente. Medo, terror, tensão, preocupação, só pensava em manter a moto em pé. A 50 Km por hora achei que seria impossível derrapar e assim segui. Retas que não terminavam mais. Nas curvas todo cuidado. Mexia com as mãos, estavam duras, com os pés, a mesma coisa, eu era um bloco petrificado encima daquela moto. Olhava para o velocímetro, havia avançado 4 Km, praticamente nada. Fui ao máximo da exaustão. Molhado da cintura para baixo, com frio, fui indo. O temporal ameaçava aumentar, mas eu segui. Uma hora me lembrei da minha filha e pensei, haverei de sair dessa, custe o que custar. Foram horas de muita concentração. Quando finalmente cheguei à Puerto San Julian sabia que a aventura havia terminado. Tremia de frio e exaustão. Um disse: quem é que disse que ele não vinha. Outro disse: esse é macho.
Não quero saber se sou ou não macho, estou com frio, estou com medo, daqui não passo de jeito nenhum, chega. Quando falei que me lembrara da minha filha comecei a chorar. Falei que não estava ali para atrapalhar o passeio de ninguém , que naquele grupo eu era um enxerto. Alguns riram. Pois eles, apesar do temporal, apesar da maioria não querer seguir, foram em frente. Que imprudência!
No outro dia, quatro desistiram e voltaram.
Assim que foram embora, comecei a pensar no que fazer. Descobri que atrás do Posto de Gasolina tinha um pequeno hotel, mas muito bom, com calefação.
Tomei banho, consegui secar toda a roupa, dormi bem. Valor do pernoite: 67 pesos.

Puerto San Julian