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Dedicatória

Com Maria Gabriela e Raul em Uspallata – Argentina
Aconcagua ao funda à direita


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Esta viagem foi dedicada aos 50 anos de casamento dos meus sogros, Dna Brandina e Sr. Jovino.

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Que sirva também a minha filha Fernanda como um exemplo. Que nunca recue diante das dificuldades, nunca desista dos seus objetivos. Que saiba recuar, quando necessário, mas voltar a avançar assim que possível. Que não se esqueça de agradecer quem lhe deu a mão e esteja sempre pronta a ajudar quem mereça. E que saiba aproveitar a inteligência e a vida que Deus lhe deu.

Antes da Viagem


Este ano completa-se 30 anos que vindo do Rio Grande do Sul cheguei a Criciúma, cidade pólo da região sul catarinense. Dois anos depois, em 2 de agosto de 1980 casei com uma criciumense, a Regina, e 5 anos depois nasceu nossa filha Fernanda. De modo que tenho meu coração dividido entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Nasci em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, muito embora me considere Piratiniense de coração. Em Piratini estão minhas raízes, lá nasceram meus pais, lá se casaram. Lá viveram meus antepassados. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar de Piratini, costumo contar o que aconteceu com meu pai. Certa vez, numa loja na Av. Farrapos em Porto Alegre, ao fazer um cadastro numa firma e mencionar ser natural de Piratini, a pessoa que o atendia revelou que desconhecia essa cidade. Meu pai mostrou-se um pouco desapontado, ao que o sujeito reagiu desculpando-se, que nunca fora muito bom em geografia. Aí meu pai, Piratiniense dos mais devotos, respondeu brincando: de geografia tu podes não saber muito, mas o que tu não sabes mesmo é de história. Piratini fora em 1835 a primeira capital da República Riograndense, lá o General Bento Gonçalves fora eleito presidente. Por 10 anos os gaúchos lutaram pela independência do resto do Brasil, haja visto na época sofrerem grave discriminação por parte do Império. Não tivemos sucesso nesta tentativa, mas por certo, o reconhecimento e o respeito pela valentia de nossa gente. Só depois de adulto me dei conta que grande parte desta história, a Guerra dos Farrapos, teve como cenário aquela região, sul do estado, na serra dos Tapes, justamente onde está localizada a cidade de Piratini.
Meus pais e minha irmã mudaram-se de Piratini para Porto Alegre em 1953 e eu nasci em 1955. Morávamos no bairro Bom Fim, um reduto de israelitas e seus descendentes. Meu pai, Nery Figueiredo, comerciante, tinha um Armazém na Av. Independência. Minha mãe, Elisa, cuidava da casa, de mim e da minha irmã Eliza Maria.
Estudei o primário no Grupo Escolar Argentina, localizado também na Av. Independência. Que ótimas lembranças aquele colégio deixou! Que tempos bons aqueles em que o ensino público era reconhecido como exemplar, com professores excelentes, em que havia respeito por eles. Lembro ainda os nomes das minhas professoras; a Dna Ivete, a primeira, a Dna Neli, a Dna Elmi Ferreira, a Dna Vera Regina e a Dna Gleci, sem falar na diretora, Dna Nadir, mãe de meu colega e grande amigo de infância Paulo Isehard. No dia comemorativo à Independência da Argentina recebíamos o Cônsul da Argentina e mais de uma vez fui escolhido para fazer a leitura, uma homenagem que o colégio prestava ao consulado da Argentina em Porto Alegre.
Atualmente o prédio onde funcionava o Grupo Escolar é ocupado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Houve muita contrariedade a respeito desta tomada. O sentimento que temos, como ex- alunos do colégio, é algo, guardadas as proporções, semelhante aquele que os argentinos tem pelas Ilhas Malvinas. Não nos conformamos, embora lá esteja o prédio conservado. Quando anos atrás fui visitá-lo e a sensação que tive foi de que, embora o prédio permaneça intacto, a alma lhe foi arrancada. E a alma se expunha com maior intensidade quando da gritaria que as crianças faziam no recreio. Isto não tem mais.
Desde pequeno passava minhas férias em Piratini, na maioria das vezes no interior, numa fazenda do meu tio e padrinho Ivo e da minha tia Leda, dos meus primos Darcy Antônio e Heloísa Helena. Adorava andar a cavalo. Dizia que quando crescesse preferia ganhar um cavalo a um carro. Cheguei a possuir um cavalo, uma égua que a minha vó Honorina me deu, mas acho que nunca cheguei a andar nela. Meu tio, que se encarregou de cuidá-la, mais tarde acabou vendendo. Eu gostava mesmo era de um petiço mouro, que era de um primo do meu primo, o Ernesto. Costumava pensar que de direito o petiço era do Ernesto, que muito pouco andou nele, de fato era meu. Às vezes, porém, chegava a duvidar que ele correspondesse ao meu amor. Quando ia de férias para Piratini, acabava a folga dele. Uma vez apertaram muito a cincha e ele corcoveou comigo, quase me derrubando. Dessa vez não caí, mas de outros tombos não me escapei. Na propriedade do tio Nenê, certa vez, peguei uma égua rosilha, subi nela em pelo, e mandei ver. Galopando lomba acima tudo bem, mas lomba abaixo... ,fui chegando para frente, quando vi estava quase encima da cabeça dela. Aí me atirei, caí na posição de cócoras, felizmente a égua parou ali mesmo e ficou me olhando com aquela cara de quem diz: bem feito!
Depois da mulher, a coisa melhor que Deus criou foi o cavalo, sem dúvida. Depois vem a moto, que me desculpem meus amigos motociclistas.
Na minha juventude quando de férias ia para a cidade de Piratini e ficava na casa do Tio Sílvio e da tia Lídia, dos meus primos Hélio e Araci. Tenho grandes recordações deles e tinha um amor especial pela minha querida tia Lídia. Outras vezes passava na casa da minha prima Nara, do Zezé, marido dela e dos filhos deles, meus primos Alemão, Ico e Flávio. Mais tarde nasceu a Ana Paula. Tive a felicidade de ter ótimos tios e tias, primos e primas.
O estudo ginasial e científico fiz no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Em 1978 me formei em Medicina Veterinária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como vamos falar de aventura, de certo modo isso lembra sacrifício, superação. Então vamos a alguns antecedentes, que marcaram a minha trajetória.

Aos dois anos de idade, meu pai, voltando de viagem de Piratini para Porto Alegre, trouxe para mim um brinquedo. Era algo meio parecido com o skate atual, uma taboa com quatro rodinhas. No apartamento em que morávamos o piso era de parque (taco), e minha mãe o conservava-o bem encerado. Na primeira oportunidade, coloquei o pé na taboa e quebrei a perna, fiquei 40 dias deitado e no gesso. Lembro-me bem de tudo isso, inclusive, de ter ganhado de uma vizinha, uns aviõezinhos de plástico, de diversas cores.

Às vezes, chego a acreditar, que o espírito de aventura, deve se evidenciar mais naquelas pessoas que já tiveram problemas de pouca grana. Meu pai teve alguns carros que lhe incomodaram bastante, para não dizer muito. Ele não tinha dinheiro para comprar carro melhor, então adquiria carros já muito usados, de difícil conservação, muito confortáveis às vezes, mas que davam muito trabalho. Assim foi com o Aero Willis, o Hudson, mas o que mais deu dor de cabeça, de certeza, foi uma camionete muito parecida com a Kombi, também alemã, da marca Gutbrod.


Estas fotos são de uma pick-up Gutbrod. A do meu pai era um furgão (semelhante à Kombi). A cor era azul claro (predominava) e branca, mas estas fotos lembram muitos detalhes da camionete; toda a parte da frente tanto interna como externamente é semelhante (foi o máximo que eu pude encontrar na internet, acredito ser algo muito raro hoje em dia) Este “carro” está anunciado por 5000 euros.

Esta marca existiu até 1954, meu pai adquiriu uma no começo da década de 60. Uma das viagens marcantes com a Gutbrod, foi uma em que saímos de Porto Alegre em direção ao balneário de Tramandaí. Saímos à meia-noite, não me perguntem por que nesse horário, pois não me lembro, mas o interessante é que não tínhamos farol, meu pai foi dirigindo com a luz da lua. A lua, pelo menos era cheia. Na época não tinha a Free Way, íamos por Gravataí e passávamos por Santo Antônio da Patrulha, famosa cidade pela qualidade de seus deliciosos sonhos. No caminho, um policial fez a gente parar. E aí Sr. Nery, e os faróis? Paro depois da curva seu guarda, não se preocupe, respondeu meu pai. Os tempos eram outros, não multou e deixou seguir. Depois da curva rumamos direto para Tramandaí, chegando lá as 6:00 da manhã. Nesta oportunidade, confesso, a Gutbrod foi bem. Mas acho que foi a única. Às vezes tínhamos que voltar de ônibus, outras seguir de ônibus, dependia de estarmos mais pra cá ou pra lá em direção ao destino.
Certa vez, que íamos de Porto Alegre para Piratini, numa segunda tentativa (uma semana antes tínhamos voltado de ônibus), perto de Pelotas, a estrada estava sendo asfaltada, no meio de um barro danado a Gutbrod apagou e não ligou mais. Saímos, eu, minha irmã e minha mãe com barro à meia canela e pegamos um ônibus que ia para Pelotas. À noite, no hotel na frente da rodoviária, minha mãe não dormiu a noite inteira abanando os mosquitos que nos queriam devorar. Inesquecível. No outro dia pegamos outro ônibus para ir para Piratini. No tempo que uma viagem dessas, de ônibus de Pelotas pra Piratini era uma aventura. Lembro-me que a marca do ônibus era Pulman. Geralmente eu passava mal, ficava enjoado, botava a cabeça pra fora da janela e o resto vocês podem imaginar. Lembro-me como se fosse hoje. Quem vinha atrás que fechasse a janela. Isso comigo acontecia sempre, era a única coisa ruim da viagem. O motorista, de nome Dionísio, permitia quase tudo; levar galinha, porco, parar pra fazer um pequeno negócio. Como a estrada não era asfaltada e o ônibus parasse constantemente, entrava terra aos montes. A gente chegava em Piratini meio amarronzado. Quando chovia era um drama. Era muito comum o ônibus derrapar (tirar um peludo, como se dizia), entrar numa valeta a beira da estrada e termos que esperar que um caminhão ou trator viesse arrancá-lo. Limite máximo de lotação talvez houvesse, mas não era cumprido. Todo mundo na maior calma, a gente nem sabia da existência da palavra stress. De depressão, acho que nem se ouvia falar. O sujeito ou era normal ou era louco, não tinha meio termo.
Três dias depois, meu pai apareceu em Piratini com a camionete.

Outro fato marcante na minha juventude foi meu fanatismo pelo futebol. Jogando, entrava em qualquer dividida, não interessava o tamanho do adversário. Jogava em qualquer condição, posição, podia estar lesionado, com febre, com dor de dente, ia sempre. Em feriados e nos sábados costumava jogar a tarde inteira nos campos de pelada da Redenção. Numa sexta-feira santa, minha mãe me alertou que não deveria ir por causa do feriado religioso. Não adiantou nada, fui. Naquela sexta-feira santa, de repente, estico demais a perna e quebro a bacia. Fui hospitalizado, sofri uma cirurgia, fiquei 27 dias sem poder me mexer encima de uma cama. Depois que me levantei, era como se precisasse aprender a caminhar de novo. Cinco dias depois estava fardado num campo de futebol. Não podia chutar com o pé direito, e não podia cair. Alguém me empurrou, eu quase caí e então vi que era impossível. Voltei pra casa. Acho que minha mãe morreu sem saber que eu fiz isso. Dois meses depois já estava em plena forma jogando normalmente.
Já na faculdade, alguns anos depois, numa partida, quando me preparava para fazer o quinto gol, o zagueiro adversário acertou um pontapé em cheio na minha cabeça. Fui acordar a caminho do Pronto Socorro, levado pelos meus colegas. Isto foi num sábado pela manhã, fiquei tonto até segunda-feira, e em observação. No sábado seguinte estava de novo em campo. Fomos campeões da Faculdade de Veterinária e eu fui goleador do campeonato.

Depois de adulto, já casado, em 1992, tive a oportunidade, numa época que a confecção atravessava grandes dificuldades, de ir ao estado de Tocantins, a convite de um amigo, José Manganelli, que tinha negócios por lá. Pensava na possibilidade de uma mudança para o norte. Eu e esse amigo fomos com o meu Fusca 1600. Que fusca ! Andei muitas tempo a 125 Km por hora e ele sereno, tranqüilo. Ultrapassava Tempra, imaginem! Falo do Tempra porque, na época, era o carro do momento.Viajamos dois dias, sem parar, enquanto um dirigia o outro dormia. O fusca foi e voltou e nem sequer furou um pneu. Às vezes, pelo calor, era obrigado a deixar aberto o capô traseiro. Lá, por dois meses, a maior parte do tempo de caminhão, percorri os estados do Tocantins, Pará e Maranhão. Tive como companhia um funcionário desse meu amigo, o Paulo. O Paulo, vendedor da firma, era um sujeito muito agradável, de um bom humor impressionante. Poucas vezes na minha vida me diverti tanto. Certo dia saímos de Araguaina em Tocantins e fomos a Açailândia no Maranhão cobrar, de um candidato a prefeito, uma dívida. Era véspera de eleição para prefeito e meu amigo tinha vendido camisetas da campanha. Vendeu mas não recebeu. Chegamos à casa do prefeito na véspera da eleição. Era começo da tarde. Na casa um movimento intenso de entra e saí, e nós ali. Enquanto providenciavam uma solução, eu e o Manganelli ficamos jogando xadrez para passar o tempo. Quando eram 11 horas da noite, com um telefonema de Brasília, veio a notícia de que no dia seguinte poderíamos ir a São Luiz do Maranhão, na casa de um político muito importante, que metade da dívida seria paga. Eu, louco por aventura, me candidatei a ir buscar o dinheiro. Eu e o Paulo embarcamos num Fiat Fiorino e nos fomos. Pegamos a direção errada e chegamos na divisa com o Pará. Estávamos indo para Belém. Voltamos a Açailândia e rumamos enfim em direção a São Luiz. São aproximadamente 750 quilômetros de estrada. Lá pelas 4 da manhã estávamos tão cansados que não adiantava mais nos revezarmos ao volante. Tiramos um cochilo a beira da estrada, dentro do carro. Uma hora depois retomamos a viagem. Chegamos a São Luiz do Maranhão perto do meio dia. Fomos em direção à praia, onde tratamos de comer alguma coisa. Depois iríamos achar a tal casa. No restaurante a beira mar, quando me mostraram o menu, tapei as letras e fui aos números. O que era mais barato era um tipo de sopa de frutos do mar. O Paulo pediu outra coisa. Saímos e tratamos de achar a tal casa. Encontramos não uma casa, mas uma fortaleza. A casa ocupava um quarteirão, só se via o muro. Há poucos anos atrás a revista Veja fotografou esta casa do alto e só então pude conhecer o que havia atrás dos muros. Batemos numa porta estreita, e veio um velhinho que nos informou que os patrões haviam saído, que teríamos que esperar. E o sol brilhava no firmamento. Não tinha nem um banco para sentar. No carro, nem pensar, era um forno. Fomos esperando, que remédio. Lá pelas tantas voltou o velhinho. Entregamos um bilhete explicando a situação e depois de algum tempo ele voltou com um embrulho cheio de dinheiro. Nem pediu recibo. Pegamos aquela dinheirada (lembro-me que aquela época dava para comprar um carro usado em bom estado), entramos na Fiorino, dei metade para o Paulo contar, eu contei a outra. Somamos as duas metades, estava certo, tudo ali. Agora é sebo nas canelas. Peguei a direção e saí a jato, a Fiorino voava, 140, 150 Km por hora, só diminuía quando entrava num povoado. Dirigi sozinho os 750 Km praticamente sem parar. À 50 Km de Açailândia avisei o Paulo: a sopa do meio dia começou a fazer efeito. Quando cheguei ao hotel em que o meu amigo Manganelli estava hospedado em Açailãndia, eu estava péssimo. Eles me disseram que iríamos imediatamente para Araguaina. Dalí até lá são aproximadamente 400 Km. Nem pensar, daqui não saio. Tanto insistiram que acabaram me levando. Que loucura! No outro dia saí da pensão da Dna Iracema, onde parava, reunindo minhas últimas forças. Não é exagero, era assim que me sentia. Fui numa farmácia e me automediquei.
Apesar de alguns pesares foram dois meses fantásticos, inesquecíveis. Muito calor, grandes distâncias, estradas péssimas, comida nem sempre confiável, costumes diferentes, mas valeu.
Decidi, no entanto, não levar minha família para lá.

De volta ao sul, continuei com a confecção. Certa feita quando viajava de Pinheiro Machado para Piratini, no Rio Grande do sul, numa estradinha de chão muito ruim e num dia de chuva, a bateria do meu fusca pifou. Começou a sair fumaça. Parei o carro, levantei o banco traseiro e tratei de tirar a bateria e colocá-la para fora do carro. Sentei-me ao volante e fiquei ali esperando que alguém passasse, pois naquele local não tinha nenhuma casa próxima, o máximo que se ouvia era o canto dos passarinhos. Lá pelas cansadas como diz o gaúcho, quase três horas de espera, apareceu um caminhão que ia para Piratini. O motorista parou, falei do problema, perguntei se ele tinha uma corda. Então, atamos o fusca atrás do caminhão. Faltavam aproximadamente 30 Km para chegar à Piratini, eu no volante não enxergava quase nada pois estava chovendo e o caminhão jogava barro no vidro. Eu não tinha limpador de para brisa, pois estava sem bateria. Às vezes precisava botar a cabeça para fora do carro, de modo a enxergar alguma coisa. E a corda não podia nem ficar muito esticada, nem muito solta, tinha uma extensão certa. Quem é daquela região sabe o quanto aquelas estradinhas sobem e descem, curva encima de curva, pedras na estrada e buracos. Pois o motorista do caminhão não parou nenhuma vez, foi direto, passou a ponte do Passo da Vila, entrou na cidade e só parou na oficina. Quando cheguei lá minha perna direita meio dormente meio doendo, pela quantidade de vezes que tive que acionar o freio para não bater no caminhão.

Estas foram algumas das aventuras, momentos que estão gravados na minha memória e que em roda de amigos, de vez em quando, voltam à tona.

Muito embora as aventuras possam ser precedidas de um planejamento, todas são diferentes, quer pela dificuldade encontrada, quer pelo nível de preparo que o aventureiro se encontra. Cada pessoa tem seu modo de enfrentar os desafios, tem uma maneira própria de sentir os acontecimentos.

No caso desta viagem de moto que realizei, o grande diferencial foi; ter quase 53 anos; ser portador de uma artrose coxofemoral bilateral, que não me permite uma abertura de perna normal; nunca ter andado de moto até dois meses antes da viagem; enfrentar uma viagem de praticamente 8000 Km; sozinho; e pela primeira vez e em outro país. Para subir numa moto, não interessa o tamanho dela, só consigo colocando o pé encima do estribo e com o tripé acionado. Sem isto, não consigo passar a perna para o outro lado. Para descer, o mesmo procedimento. Imaginem numa moto alta como a Falcon. Comprei uma Falcon NX 4, com 400 cc já de início, quando o normal era ter dirigido primeiro motos de menor cilindrada.
O sucesso de uma aventura, como tudo na vida, depende de sorte. Igualmente, se você quiser fazer alguma coisa de importante, tem que pagar o preço. No livro “O Banco”, continuação de outro livro “Papillon”, o escritor afirma que quantas vidas tivesse, tantas gostaria de ser um aventureiro. Não conheço uma maneira melhor de viver intensamente. Durante uma aventura é como se os dias se alongassem, vivesse uma vida a cada dia, perdemos a noção da idade, todo dia é como se renascêssemos. Mas como afirmei, tudo tem seu preço.

O dito popular fala que Deus, às vezes, escreve certo por linhas tortas. Acho que foi o caso do nascedouro desta aventura.

Quando comecei a confecção, em 1985, precisava de um contador e meu primeiro foi o Irio Sartor. Excelente pessoa, mas que infelizmente em seguida ficou impossibilitado de seguir e me indicou o Agostinho Damázio, que durante alguns anos nos prestou excelente serviço. Numa oportunidade em que estávamos com a confecção localizada em um prédio na Av. Centenário, lá se estabeleceu outro contador. Entrei em contato com ele e como o Damázio já tinha uma boa clientela, resolvi prestigiar meu vizinho. A princípio o Damázio não gostou muito, mas como o tempo é remédio para quase tudo, tudo ficou bem. Pois foi esse terceiro contador que me deu a idéia dessa aventura. Não mencionarei o nome dele, por respeito aos anos que me serviu.

8 de Setembro de 2007 – 102 dias antes da viagem - Quando tudo começou.

Foi num sábado pela manhã que fiz uma visita a casa do “Contador”, pois tinha urgência em ouvir seu parecer a respeito de um negócio que pensava realizar. Lá ouvi sua opinião, e quando já tratava de ir embora, ele me fez a seguinte declaração: “É preciso aproveitar a vida”. Ao que eu respondi:”É mesmo”. Aí ele afirmou que iria ao final do ano para o Chile, que já fazia um ano que se preparava, e iria sozinho. Aí eu disse:”Vou também”. Aí ele me informou que iria de moto. Bom, de moto, nem pensar!
Minha única experiência de moto foi lá pelos 19 anos de idade, na fazendo do meu tio Ivo, em que o Darci Antônio, meu primo, tinha uma moto 150 cc. Um dia de manhã ele estava lavando a moto e o motor estava ligado. Eu subi na moto e pedi que ele me desse algumas dicas de como aquilo funcionava. Na época eu nunca tinha dirigido nada, nem moto, nem carro. De repente eu tirei a mão da embreagem, a moto deu um pulo e eu saí andando. A moto foi para a esquerda, num pasto que havia na frente da casa. Ia em direção a uma cerca que dava para um potreiro. Consegui virar a moto para a direita e fui em direção a uma estreita estrada de terra e pedra, caminho da propriedade. Cruzei do lado de uma árvore e antes que chegasse à estrada me lembrei onde ficava o freio de mão. Em fração de segundo estava estendido no meio do pasto. Meus primos Darci Antonio e Heloisa Helena assistiram a cena e quase morreram de rir. E eu num constrangimento danado. Não me machuquei, mas nunca mais quis saber de moto. Em casa proibi minha filha de andar de carona com algum namorado motoqueiro. Moto nem pensar.
Pois naquele sábado de manhã, olhando para as motos que o “Contador” possuía, resolvi de repente aceitar o desafio. Disse que até dezembro trataria de tirar a carteira de motorista, compraria uma moto e iria para o Chile. Cheguei em casa e contei a novidade para a Regina e para Fernanda. Elas me deram força. Acharam um pouco complicado, mas acreditaram na idéia.
Não é qualquer um que tem uma família assim. Nós lá em casa sempre fomos otimistas, nunca nos amedrontamos com nada. Nada de achar as coisas impossíveis. Nos nossos 22 anos de confecção, enfrentamos de tudo. Enfrentamos o Color, o Sarney e o Fernando Henrique. Agora estamos enfrentando o Lula, portanto, ninguém nos intimida. Por incompetente que seja, damos um jeito e nos mantemos em pé.
Fiquei animado, é disto que eu estava precisando. Disse para a Regina, isto vai mudar a minha história de vida, tu vai ver. Fiquei empolgado e já comecei a usar a imaginação. Vamos dar um jeito nisso.

14 de Setembro de 2007 – 96 dias antes da viagem

Depois de avaliar algumas auto-escolas, de ter feito 1 hora de aula, me inscrevi na Auto Escola Santinho, que mais tarde pude constatar que muito santinha não era. Meu primeiro instrutor foi Sr. Gava. Nesta primeira aula, depois de ficar girando 1 hora numa pista de terra, ao parar a moto caí de todo o comprimento, meu primeiro tombo. Mas não foi nada que pudesse me desanimar.

18 de Setembro de 2007 – 92 dias antes da viagem

Neste dia fiz o exame médico e dos olhos.
À tarde, já com outro instrutor, o Lucas, caí meu segundo tombo, ao parar numa subida. Desequilibrei-me e fui para o chão. Não foi nada. Acontece.
À noite tive a primeira aula de direção defensiva, curso obrigatório de 3 dias para quem renova a carteira de motorista ou quem vai, como eu, incluir uma nova categoria de veículo na carteira, no meu caso a moto. O curso, que a princípio parecia ser enfadonho, teve momentos bem interessantes; informações, cuidados, legislação, primeiros socorros. Valeu a pena.

24 de Setembro de 2007 - 86 dias antes da viagem

Na volta de uma viagem de carro à Curitiba passei numa loja em Camburiu e comprei botas, luvas, calça e jaqueta de couro. Já estava me achando o motociclista.
Desde o primeiro dia comecei a pensar que moto comprar, usada ou nova, baixa ou alta cilindrada, etc. Motos de alta cilindrada novas são relativamente caras. Se usadas tem o problema das peças de reposição, dependendo do ano e do modelo, além de não termos certeza das condições em que elas estão quando as adquirimos. Quem definiu esta situação foi o Sr. Rafael Barbosa, vendedor da Dimasa, concessionária Honda de Criciúma, que me apresentou pela primeira vez a Falcon NX4, uma moto de cor preta com detalhes em vermelho, 2007, zero Km, e com 400 cilindradas. Ele me falou muito bem dela, no que tinha toda a razão. Subi nela, os pés mal tocando o chão, mas ele disse que depois não teria problema, era só uma questão de prática. Tanto ele, como eu, não contamos que eu tinha uma artrose, que limita minha abertura das pernas. Sem levar isto em consideração, ali estava a moto ideal, por um preço razoável, com conforto e capacidade para realizar minha viagem. Preço: R$ 14.400,00 a vista. Lá na concessionária tinha um senhor que me passou a seguinte informação: “agora no final do mês que vem, outubro, a Honda lança os novos modelos e tu fazes um negócio melhor”. Esse conselho valeu.

11 de Outubro de 2007 – 69 dias antes da viagem

Depois de 15 aulas, algumas sob chuva, finalmente chegou o dia da prova prática. Amanheceu chovendo e choveu o dia todo. À tarde era a prova. Pela manhã fui ao local do teste para dar mais uma treinada, mas o instrutor me alertou que a pista estava bastante encharcada, que era melhor não piorar a situação e esperar pela tarde. À tarde cheguei cedo, fui com o instrutor até a pista e enquanto a pessoa que julgava o teste de moto avaliava os testes de baliza para condutores de carro, ele deixou que eu fizesse uma volta completa. Consegui, apesar de alguma dificuldade, não errar nada. Quando chegou a hora, fiquei por último. Vi meia dúzia de pessoas rodarem e minha ansiedade foi crescendo. Quando chegou minha vez, respirei fundo, pequei a moto verdinha da auto-escola e fui. Que alívio quando completei o percurso sem nenhum erro. Passei, agora, acreditem ou não, sou motoqueiro. Aqui vai uma crítica. Jamais eu poderia sair dali e dirigir uma moto, não estava preparado de jeito nenhum. Ainda mais se tratando de uma Falcon 400. Mas eu tinha pelo menos consciência disso. Agora é tratar de aprender.

18 de Outubro de 2007 – 62 dias antes da viagem

Fui no Dr. Roberto de Bernardi providenciar exames médicos. Exames de sangue, ultra-som dos rins (tive cálculos renais anteriormente) e próstata.

19 de Outubro de 2007 – 61 dias antes da viagem

Depois de muita espera, finalmente apareceu a Falcon 2008 na Motozan em Criciúma.Preço: R$14880,00. Depois de muito choro baixaram para R$14700,00 a vista. Era uma sexta-feira, fiquei de voltar na segunda, para fechar o negócio. Emprestaram-me até o manual dela para ler no final de semana. Li quase tudo.

20 de Outubro de 2007 – 60 dias antes da viagem

Comprei o capacete amarelo da Nitro. Muito bonito, mas irá no futuro revelar um grande defeito.
É sábado, e vou novamente na casa do “Contador” e conversamos sobre a viagem, preparativos, motos, etc. Com esta conversa resolvo fazer algumas investigações. Descubro na Internet, através de uma coleta de preços, que historicamente nos últimos seis anos a diferença de preço médio entre cada ano é de R$685,00. Como a Falcon 2008 veio igualzinho a 2007, com exceção da cor, achei ser mais negócio ganhar os 700 agora do que depois. Na Dimasa de Criciúma já me haviam oferecido uma 2007 até por R$14000,00.

22 de Outubro de 2007 - 58 dias antes da viagem

Na primeira hora da manhã ligo para as revendedoras Honda de Tubarão, Laguna, Urussanga e Araranguá. Araranguá foi a última ligação. Até aquela ligação o preço informado era R$14880,00 com capacete de brinde numa delas. Sr. Hélio, da Dimasa de Araranguá, me informou que tinha uma Falcon 2007 preta, zero Km, por R$13262,00. Não acreditei. Pedi que se informasse melhor. Foi se informar e voltou dizendo que eu tinha razão, o preço estava errado, eram R$13400,00. Depois consegui mesmo comprar por R$13262,00. Neste dia mesmo paguei e agora além de motociclista legalizado, tenho uma bela máquina de 400 cc, que preciso domar até 20 de dezembro.

26 de Outubro de 2007 - 54 dias antes da viagem

Voltei ao médico para ver o resultado dos exames. Tudo ótimo. Receitou-me, para uma eventualidade, Flancox (antiinflamatório) e Tilenol (para dor de cabeça).
Neste mesmo dia recebi a moto em casa. Linda demais. Já comprei revistas sobre o Chile, mapa rodoviário do Mercosul, tenho lido tudo que posso sobre cuidados necessários, dicas de pilotagem, tudo enfim que envolve moto.
Neste primeiro dia, a moto no porão de casa, subi, me desequilibrei e 157 Kg caíram encima de mim. Já é o terceiro tombo parado, o primeiro com ela. Desta vez fiquei bastante incomodado. Fui dormir meio azedo. Mas amanhã é outro dia.

27 de Outubro de 2007 - 53 dias antes da viagem

Comprei um protetor de coluna da HFG. Estou me equipando com tudo o que há de melhor em termos de segurança.
Agora só falta a carteira, que, aliás, já devia ter chegado.

28 de Outubro de 2007 – 52 dias antes da viagem

Hoje o Deca, marido da Ceia, levou a moto pra mim até a Dimasa, onde tem um circuito de treinamento para motoqueiros, e lá o guarda, Sr. Altamiro foi muito legal. Tanto o Deca quanto o Altamiro procuraram me tranqüilizar, deram toda força. O Altamiro colocou 5 cones no meio do pátio de terra e eu fiquei treinando ziguezague o dia inteiro. Comecei às 9:30 e parei às 17:30. A Regina me levou o almoço lá, de modo que eu fiquei o dia inteiro me familiarizando com a Falcon. Minha maior dificuldade é fazer ela ficar de pé, tanto quando arranco, mas principalmente quando paro. Consegui derrubar mais uma vez a moto (quarto tombo), mas não estragou nada. Para terminar o Deca me levou na garupa até a casa dele.

01 de Novembro de 2007 – 48 dias antes da viagem

À tarde fiquei 1 hora e 20 minutos no Detran para renovar a carteira de identidade, já que descobri que carteira de identidade para quem sai do país tem validade de 10 anos. Fica pronta dia 14 de Novembro.
Dali fui na Auto Escola Santinho ver se finalmente minha carteira de motorista estava pronta, pois me prometeram que em 9 a 12 dias já estaria pronta, e já faziam 21 dias. O rapaz que me atendeu disse que houve alguns problemas, que a carteira voltou de Florianópolis por causa de umas taxas. Aí eu fiquei indignado e ele resolveu me levar ao Detran para que eu visse com meus próprios olhos que o problema não era com eles. Chegando lá, ele pediu para uma moça olhar no sistema e com o número do meu CPF ela não viu nada de importante. Pelos dados do sistema não dava para concluir nada. Aí eu resolvi me queixar com a moça, pois ela disse que eu deveria voltar lá dali 7 dias. Aí eu perguntei a ela como seria se ela dali 7, 14, 21 dias me desse a mesma resposta, para quem eu reclamaria? Então ela resolveu investigar, foi noutra sala e depois de algum tempo a Dna Mara Meller veio com uma lista onde aparecia meu nome, dizendo que naquele dia, 01 de novembro, deram entrada na minha carteira. Eu, sem querer acreditar no que estava acontecendo, comentei que finalmente havia saído a carteira, ao que o rapaz me disse que não era bem assim, foi me retirando de lá e me conduziu de volta à Auto Escola Santinho. Lá ele me informou que neste dia é que a carteira estava voltando para Florianópolis. Aí eu fiquei indignado e ele resolveu chamar outro senhor da Auto Escola, superior a ele, pessoa essa que ao chegar me afirmou que o problema é que a partir do dia 12 de Outubro houve uma troca no sistema em Florianópolis, que eu não era o único prejudicado, que haviam voltado uma série de carteiras, deu exemplo até de um padre indignado com a situação. Mais do que indignado resolvi ir ao Detran novamente manifestar minha indignação. Lá chegando falei com Dna Mara Meller, que muito prestativa, resolveu achar o meu processo. Quando o encontrou, mostrou que o mesmo nunca havia ido à Florianópolis, que apenas neste dia a Auto Escola Santinho encaminhara e que eles estavam mentindo para mim. Ela, indignada com a situação, pelo fato da Auto Escola Santinho colocar no Detran a culpa pelos seus erros, resolveu chamar o rapaz da Auto Escola. Ele veio, tentou mudar a situação, fez um teatro muito mal feito, mentiu descaradamente. Dna Mara resolveu então nos levar a presença do Delegado do Detran. Ao chegar lá expôs o ocorrido, disse das mentiras da Auto Escola Santinho, com o que o delegado concordou. Mas na verdade ficou por aí. Apenas o desmascaramento de uma situação e a advertência que tal fato não se repetisse. Voltei à Auto Escola. Perguntei a eles porque me mentiram. Um absurdo, uma total falta de vergonha. Agora precisarei esperar mais 1 semana, quem sabe duas, para poder andar de moto legalmente. E o dia da viagem se aproximando.

3 de Novembro de 2007 – 46 dias antes da viagem

À tarde resolvi andar de moto. Tirei-a de casa, mas não consegui fazer ela pegar. O vizinho, com mais experiência, tentou fazer pegar no tranco umas quantas vezes, mas não deu, desistiu.

4 de Novembro de 2007 – 45 dias antes da viagem

Pela manhã chamei o Deco. Ele mais o filho vieram de moto. Empurraram a moto um monte e nada. A moto não pega.
À tarde a Dimasa mandou uma camionete, embarcaram e levaram.

7 de Novembro de 2007 – 42 dias antes da viagem

Consegui na Dimasa em Criciúma que eles ficassem com a moto lá e eu iria todos os dias treinar.
Fui hoje de manhã. Treinei 2 horas sem problema.
À tarde caí duas vezes(quinto e sexto tombos). A primeira vez na curva, não venci, acelerei demais e caí sobre o canteiro. Foi o pior tombo até agora. Machuquei a mão e as costas. Entortei a haste da embreagem, tive que comprar outra. Ralei a moto em
vários lugares. Na segunda vez caí parado, quase não arranhou nada. Nas duas vezes consegui levantar a moto sozinho, acho que com certa raiva.
Chegando em casa a Regina me aconselhou fazer musculação no Mampituba.
Falei com o Vilson, começo amanhã.

8 de Novembro de 2007 - 41 dias antes da viagem

Fui de manhã na Dimasa. Caí mais uma vez (sétimo tombo), derrapou na brita. Desisti de andar lá, pelo menos no meio da semana, quando tem menos espaço, pois os carros estacionam no pátio.
À Tarde fui para a musculação com o Vilson no Mampituba. Foi bem legal, ele me recomendou alguns suplementos alimentares, o Way Protein e o BCAA.
Fiz uma consulta a um ortopedista, em relação ao meu problema de artrose. O médico recomendou a musculação, haja visto que com os músculos fortalecidos existe uma menor carga a nível da articulação, contribuindo deste modo para que a artrose não aumente e que também não cause dor. Recomendou também que eu não fizesse nenhum exercício no sentido de tentar aumentar a abertura das pernas, o que certamente seria maléfico para a articulação.
Fiz musculação todos os dias, até o dia anterior à viagem, com exceção dos domingos. Um dia fazia musculação para os membros inferiores, exercícios abdominais e 30 minutos de esteira. No outro dia, musculação para os membros superiores e 30 minutos de esteira. Ao final de cada sessão, alongamento. Fiz musculação na Sociedade Recreativa Mampituba com o Vilson e a Fabi, eles foram excelentes. A Fabi sempre de olho nos meus erros de postura, sempre pronta a corrigir.. O Vilson, no início, alertara-me que o tempo de treinamento antes da viagem, não era o ideal, mas pelo menos eu saia do zero, melhor do que nada. Eu acredito que representou muito para mim durante a viagem. Para próximas aventuras quero me preparar bem mais.

10 e 11 de Novembro de 2007 – 39 e 38 dias antes da viagem

Final de semana Fui três vezes a Dimasa pra treinar mais um pouco na moto. Agora é esperar a carteira.

14 de Novembro de 2007 – 35 dias antes da viagem

Saiu finalmente a carteira.

15 de Novembro de 2007 – 34 dias antes da viagem

Fui á Timbé do Sul. Parei num posto de gasolina para abastecer. O frentista reconheceu a moto que haviam me entregue dias atrás e ficou inconformado dela já estar meio riscada, e seguiu naquela lenga lenga, não parava de lamentar, e eu fui ficando p... da cara. Não xinguei o cara para já não me stressar na largada. Jurei que da próxima, meto a boca nele. Até hoje nunca mais fui lá abastecer. Perderam um cliente. Na ida uns mal educados de um Fiat Uno chegaram até a mostrar o dedo pra mim, pois andava a 50 Km por hora na reta. Em Timbé do Sul cai duas vezes, parado (oitavo e nono tombos).
À tarde fui à Primeira linha e voltei. Quando estava voltando, ao passar por uma lombada, devo ter engatado uma marcha errada, a moto começou a fazer uns barulhos estranhos, pronto, acabei com a moto. Segui um pouco e estacionei. Liguei pra o “Contador”, isto era um sábado á tarde. Ele disse que vinha ver. Veio, andou, disse que não era nada. Pediu para eu subir na carona. Foi em direção ao quartel, botou 120 por hora na moto, eu sem capacete. Pedi desculpas a ele, dei-lhe um abraço de urso, se caísse levava ele junto. Se já estava assustado, mais assustado fiquei. Pedi para o filho dele levar a moto para mim. Por hoje chega, já foram muitas emoções, como já dizia o Roberto Carlos.

17 de Novembro de 2007 – 32 dias antes da viagem

Fui de carro a Araranguá atrás de quem fizesse umas botas com uma plataforma mais alta, de modo a aumentar minha altura para ver se paro de cair.

18 de Novembro de 2007 - 31 dias antes da viagem

Pela manhã fui até a Primeira linha, voltei, no quartel virei à direita e fui até Içara e voltei. Não me senti bem. Tomei a decisão de parar.

19 de Novembro de 2007 – 30 dias antes da viagem

Fui à Dimasa. Ofereceram-me uma Shadow 98 por R$15.500,00. Tenho que dar R$3.500,00 de volta.

20 de Novembro de 2007 - 29 dias antes da viagem

Botei a moto à venda – R$12.800,00

21 de Novembro de 2007 - 28 dias antes da viagem

Tive a idéia de baixar o estofamento do banco. Com isto, mais as botas, talvez de pé. Peguei o banco da moto, fui ao Magal, estofador e amante de motos. Ele tirou o tecido do banco, pegou uma faca afiada e tirou o que pode de espuma. Fui para casa. Lembrei-me que eu tinha uma faca elétrica que havia comprado no Chuí certa feita. Tirei de novo o tecido do banco e dei mais uma caprichada. Voltei no Magal, ele recolocou o tecido.
Minha Falcon agora ficou linda, parece um cisne preto.

23 de Novembro de 2007 - 26 dias antes da viagem

Fiz encomenda de um par de botas. Encontrei o Eroni, um colega Médico veterinário, gente da melhor qualidade, que me indicou um fabricante de botas no Caravágio. Fui ao Caravágio e lá me indicaram outro fabricante no Rio Maina. Devem me entregar as botas daqui uma semana. Elas são semelhantes às usadas pela Policia Militar, tem até caneleira.

30 de Novembro de 2007 – 19 dias antes da viagem

Os Irmãos Ronconi me entregaram as botas. Nota 10.
Dias depois pedi para aumentarem mais um pouco.

01 de Dezembro de 2007 - 18 dias antes da viagem

Fui até a Dimasa. Entortei um pouco o tripé da moto, para ela poder ficar mais deitada ao estacionar.
Saí de lá, fui até Timbé do Sul. Almocei lá e voltei. Tudo aprovado, banco e botas.
Acho que agora não caio mais parado.

2 de dezembro de 2007 – 17 dias antes da viagem

Subi a serra do Rio do Rastro, que liga as cidades de Lauro Muller a Bom Jardim da Serra. Fui pela manhã e voltei à tarde.
Esta experiência foi decisiva pra que eu me encorajasse a fazer a viagem.

9 de Dezembro de 2007 – 10 dias antes da viagem

Fui a Timbé do Sul e voltei. Comecei a me acostumar a andar entre 80 e 90. Cheguei a colocar 105 Km/hora na reta.
Tudo bem, estou melhor, decidi que vou.

11 de Dezembro de 2007 – 8 dias antes da viagem

Fui para Praia do Rincão treinar pequenas manobras em ruas estreitas, entra a direita, esquerda. Caí três vezes (décimo, décimo primeiro e décimo segundo tombos).
Quando cheguei em casa omiti duas quedas.

12 de Dezembro de 2007 - 7 dias antes da viagem

Falei com o “Contador”. Disse a ele que resolvera ir dia 29 de Dezembro.
Ele disse que vai dia 20.
Então para não ir só, apesar de perder o Natal com a minha família e as Bodas de Ouro dos meus sogros dia 28, resolvi antecipar, vou com ele.
Comprei uma churrasqueira (suporte para colocar alforjes, baús, etc), uma pequena barraca, providenciei a carta verde (seguro contra terceiros no exterior) e o seguro da moto. Seguro de vida, pra quê?

16 de dezembro de 2007 – 3 dias antes da viagem

Saí bem cedo e fui em direção à Braço do Norte. Voltei duas horas e onze minutos depois, sem parar nenhuma vez. Nunca havia andado tanto tempo sem parar. Pude perceber que o banco, mesmo com menor quantidade de espuma, pouco perdeu em termos de conforto. Deverei ter condições de dirigir por mais tempo, sem problemas.

A Falcon é uma moto alta. Rebaixando a suspensão dianteira e traseira, diminuindo a altura do banco, usando uma bota de solado alto, aproximadamente 3 cm, eu consegui ter mais chance de ficar em pé. Mas porque não comprar uma moto mais baixa? As de menor cilindrada costumam ser mais baixas, mas não seriam aconselháveis para um percurso longo e com terrenos desconhecidos. As custom, são mais baixas, confortáveis, mas são mais caras e em terrenos ruins tem fraco desempenho. A Falcon é, e mostrou ser, a moto ideal. Por isso insisti na Falcon e nisto eu estava inteiramente certo.

Muitas vezes me alertaram que dirigir moto é muito cansativo, não é o mesmo que carro, que eu não estaria preparado. Eu sempre pensei o seguinte, eles até podem ter razão, mas eu dirijo carro há 30 anos, já percorri aproximadamente 2 milhões de quilômetros, por estradas de todo tipo e condições, já atravessei o país de carro, já consegui andar 11500 Km num mês, já dirigi com sono, cansado, doente, já fiz de tudo. Guardadas as diferenças, duvido que não tenha resistência para isso. E nisto eu também estava certo.

Quanto ao meu companheiro de viagem, o “Contador”, à medida que se aproximava o dia da viagem, mais eu tinha a intuição de que não estava com a pessoa certa e isto se confirmou. O “Contador” disse que sairia dia 20 e que subiria a Serra da Rocinha, uma estrada de terra horrorosa que liga Timbé do Sul em Santa Catarina a Bom Jesus no Rio Grande do Sul, passando por São José dos Ausentes. Eu já passara por lá de carro umas três vezes e em todas elas, apesar da economia de quilometragem, acabava me arrependendo, teria sido melhor fazer a volta por São Joaquim. Mas ele se mostrou determinado, iria pela serra. Eu, para não contrariá-lo disse que sairia um dia antes, iria por São Joaquim, pegava um pouco mais de prática, e o esperava em Vacaria.
Eu sempre digo que tenho muita fé em Deus, mas que tenho certeza da existência do diabo. O diabo é a ignorância. Como é triste a ignorância, a grossura, a falta de sensibilidade. E como a gente se engana com as pessoas. Às vezes a gente lida com uma pessoa por anos e só descobre como ela é realmente, muito tempo depois.

De Criciúma à Uruguaiana

19 de Dezembro

O começo da Viagem.



Eram 9:08 quando a Regina abraçou o capacete, eu acelerei e comecei a viagem. Cada sinaleira, cada curva, cada parada, todo cuidado. Quando fiz a curva no Hospital São José fiquei animado, vamos embora.
Quando cheguei a Orleans parei num posto de gasolina à direita lá no trevo de acesso a Lauro Muller. O homem que abastece me amedrontou, dizendo que os caminhões descem a serra muito ligeiro e que eu deveria ter cuidado. Então ao chegar a Guatá eu encontrei um caminhãozinho que ia à minha frente numa velocidade boa. Pensei, vou segui-lo, assim ele me servirá de escudo. Não foi o melhor, no meio da subida ele foi perdendo força, tive que colocar uma segunda, depois uma primeira, ele praticamente parou na minha frente e eu quase fui ao chão. Por sorte, consegui dar uma acelerada, ali tinha um refúgio, parei a moto e esperei ele ir bem pra frente. Esperei o que pude, resolvi que só seguiria quando avistasse um caminhão subindo e sairia na frente dele, e foi o que fiz. Apareceu um ônibus, arranquei e cheguei finalmente encima da serra.
Daí para frente foi tranqüilo.





SERRA DO RIO DO RASTRO - são 15 km de estradas concretadas, encravadas em rocha natural, contornando um cânion profundo de 1.460 metros em relação ao nível do mar. Com sua pavimentação, passou a ser considerada uma das estradas mais bonitas do Brasil, pois o seu percurso propicia a visão de paisagens inesquecíveis. Em alguns trechos, a rodovia (SC 438) avança 670 metros de altura em apenas 8 km. A Serra do Rio do Rastro é patrimônio do município de Lauro Muller e está localizada a 8 km do centro urbano. Na divisa com o município de Bom Jardim da Serra, no alto da serra, há um mirante onde, em dias de sol, se vislumbram até as águas do Oceano Atlântico. A Serra do Rio do Rastro é um dos mais belos marcos geológicos do planeta, com vegetação exuberante e abundância de cachoeiras, além da vista panorâmica única, a subida da serra permite ao espectador vislumbrar a história geológica da Terra.
Fiz um lanche antes de São Joaquim. Havia um casal de Curitiba com um filho já jovem que havia parado ali para fazer “Tirolesa”, ou seja, uma descida por uma corda amarrada a um cabo de aço, por 80 metros. A mulher era a mais corajosa, foi primeiro. Comentei com a senhora da lancheria que eu tinha medo de altura e ela se admirou de eu não ter medo de andar de moto. Não disse pra ela que esse medo eu também tinha.
À tarde quando cheguei na Polícia Rodoviária perto de Lages, parei para descansar. Encontrei um Policial, Sr. Rubens, um senhor muito simpático que gostava também de andar de moto, me mostrou uma Falcon que eles tinham e me deu bastante força.
Depois segui viagem, cheguei em Lages, peguei a BR 116, tudo tranqüilo e parei num restaurante, ao lado de um Posto de Gasolina. Saí do posto, mas logo ameaçou chover e voltei. Em seguida chegou um casal de motociclistas da Inglaterra. Consegui me comunicar com muita dificuldade em inglês. Eles foram bastante simpáticos. Ele tinha 69 anos e ela 61. Começaram a viagem pelo Equador, Bolívia, Paraguai, Brasil. Estão indo ao Uruguai, Argentina e Chile.
Como chovia bastante e eu não estava longe de Vacaria, resolvi ficar num apartamento encima do restaurante do lado do Posto. Perguntei para o senhor do posto se tinha um lugar para guardar a moto. Ele disse que sim, lá atrás havia um galpão meio abandonado, mas era seguro. Tentei passar por uma porta que dava para um local mais adequado, mas não deu. Tive então que colocá-la noutra peça que fora uma borracharia, tinha de tudo espalhado nela, mal dava para acomodar a moto, mas tudo bem, ele fechou o galpão com um cadeado e assim fiquei tranqüilo.

20 de dezembro

Saí as 9:00 por causa da cerração.
Senti pela primeira vez, de modo mais acentuado os efeitos do vácuo ao cruzar por um caminhão grande. Teve uma hora, que foi como se tivesse recebido um soco no corpo inteiro. Comecei a ficar tenso.
Ao chegar em Lagoa Vermelha parei para almoçar num Posto de Gasolina da Petrobrás. Ali fiquei esperando o “Contador”. Quando chegou, por volta da 1:20 da tarde, falou estar arrependido de ter subido a serra da rocinha, que estavam arrumando a estrada e que por duas vezes quase caiu. Isso eu já sabia. Mostrou-se um pouco arrependido da viagem, que estava cansado, que de carro teria ar condicionado, essas coisas. Ai eu disse para ele que não conseguiria ainda andar no ritmo dele, quem sabe um ou dois dias mais tarde eu conseguisse. Disse a ele, que deveria seguir na minha frente, ir até Ijuí, parar num hotel que eu conhecia e que era bom, e que eu chegaria mais tarde. No começo ele tentou ver se eu conseguia acompanhá-lo. Quando viu que não dava foi embora. A estrada estava muito movimentada, tráfego intenso, pelo menos é o que para mim parecia e eu tinha 275 Km a percorrer até Ijuí. Na mão direita, apesar da luva, na volta em que o polegar abraça o guidon fiz uma bolha, estourou e ficou em carne viva.
Fiz neste dia quase 500 km completamente tenso.
Procurava relaxar, mas não conseguia. Cheguei em Ijuí, eram 19:15. Perguntei no Hotel pelo “Contador”, o rapaz disse que ele não havia chegado.
Quinze minutos depois ele chega. Reclamou de eu não tê-lo visto parado no Posto da Policia Rodoviária em Passo Fundo. Disse que dormira lá, pois estava cansado. Reclamou um monte, disse que estava a ponto de desistir. Como é que pode, um sujeito que estava acostumado a ir para São Paulo, sair de lá de moto, que tinha prática em dirigi-la, que me alertara sempre que era cansativo andar de moto, que eu não fazia idéia disso, como é que podia estar no primeiro dia com esse ânimo. Eu, apesar de tudo, estava preparado para a dificuldade. Quando eram 20:45 ele resolveu seguir viagem até São Borja, onde morava um irmão dele, mas ia ficar num hotel na entrada da cidade. Um senhor que escutava a conversa aconselhou que ele não fizesse isso, que era uma temeridade dirigir à noite numa estrada com tantos buracos e com movimento de caminhões. Não havia a mínima necessidade. Falou que queria achar um barbeiro, pois estava agoniado com os cabelos grandes. Achei aquilo muito fora de propósito. Numa hora daquelas, numa cidade que a gente não conhecia, estar preocupado com o cabelo, é demais para mim. Por fim me disse que ia para São Borja, no outro dia ao meio dia eu telefonasse para ele que ele me diria se ia em frente ou não. Quem sabe voltasse por Assunção.
Assim se foi o meu “Contador” estrada afora.

21 de dezembro

Levantei, tomei café, engraxei a correia da moto, fiz meus exercícios de alongamento, e parti.
Ao meio dia quando cheguei a São Luiz Gonzaga liguei para ele. Entre o meio dia e uma da tarde liguei 10 vezes. Chamava e não atendia. Nunca me ligou.
Quando cheguei no hotel na entrada de São Borja me informaram que ali se hospedou, saiu as 8:30 daquela manhã.
Este dia foi muito quente, parei diversas vezes, muita dor nas costas, às vezes parece que tenho um punhal cravado nas costas, no lado direito. A estrada está ruim, mas com poucos buracos.
O hotel em São Borja é bastante confortável, deu para descansar.

22 de Dezembro

Saí de São Borja, abasteci em Itaquí e cheguei em Uruguaiana as 11:00 hs.
Almocei num Restaurante ao lado de um Posto da Petrobrás, antes de chegar em Uruguaiana. Conversei bastante com a dona do restaurante. Depois encontrei um sujeito chamado Bruno, que estava lavando uma Falcon Verde, no posto. Perguntei se ali no posto trocavam o óleo da moto. Ele, percebendo minha inexperiência, se prontificou a achar alguma oficina que fizesse a troca. Saí perseguindo ele, passei o maior sufoco, até achar uma loja aberta. Uma hora ele virou a esquerda, eu fui reto, pensei, agora perdi o homem. Consegui dar a volta no meio da quadra no maior cuidado, depois virei à direita e lá adiante o avistei. Segue o “baile”. Encontramos uma oficina e um sujeito chamado Fernando fez a troca do óleo. Disse que o sonho dele era fazer uma viagem como a minha. Aí o Bruno me informou que pertinho dali tinha um Beef Shop de dois sujeitos, chamados Gustavo e Ricardo, que haviam viajado pela Argentina e que poderiam me ajudar. O problema é que eram 1:15 da tarde e a loja só abria as 15:00. Resolvi esperar. Fazia um calor de rachar. Chegou um sujeito que morava encima do Beef Shop. Perguntei se ele me arrumava um pouco de água e ele trouxe duas garrafas cheias, geladíssimas. Agradeci uma delas. Foi ótimo. Tirei a jaqueta, a camiseta, fiquei pelado da cintura para cima e me sentei no degrau da loja. Um rapaz, que cuidava dos carros no local conversou bastante comigo.
Um pouco antes das 15:00 chegaram o Gustavo e o Ricardo. Logo me disseram que o cara certo era o Renato, que tinha mais experiência. Ligaram para ele e ele veio me ver. Falei que não tinha muita experiência, que ele fosse devagar, e o segui até a residência dele, que era próximo dali. Depois apareceu outro sujeito, o Osório, que me levou na casa dele e me mostrou fotos da viagem que fizeram a Cordilheira dos Andes e foi quem me fez ver que conhecer o lado argentino da Cordilheira era melhor do que o lado chileno. Do lado argentino a gente anda pela Cordilheira, no chileno ela está distante. Tranqüilizou-me quanto às estradas e quanto aos argentinos. Que as estradas eram planas, retas grandes, limpas, sem buracos. E o argentino muito receptivo, podia deixar a moto e os pertences que ninguém mexia em nada. Com eles fiz meu roteiro de viagem. Foi excelente, me deu vida nova. Renato me ofereceu um quartinho para passar a noite, encima do escritório, de graça. Com um ventilador para espantar os mosquitos deu tudo certo. Ganhei novo ânimo.

Em Uruguaiana, com Renato (ao lado) e Osório (de óculos)

De Uruguaiana à Cordilheira

23 de Dezembro de 2007

Eram 6:00 hs. quando o Renato e a esposa chegaram de uma festa. Falei com ele, me despedi. Em seguida saí.
Cheguei na Aduana, me pediram os documentos. Tudo certo. Logo em seguida um policial me atacou e me perguntou onde estava indo. Disse que para Bariloche. Aí ele exclamou: “Assim! Para Bariloche!” E fez um gesto como a imitar a maneira como eu conduzia a moto, duvidando bastante da minha capacidade. Olhei sério para ele, ele deu de ombros, me indicou o local para estacionamento e eu segui. Daqui para frente, então, para mim, fica determinado o objetivo, chegar a Bariloche. É uma questão de honra!
A seguir, fui providenciar visto de entrada e trocar reais por pesos. Coloquei a trava na roda da frente. Consegui o visto, troquei os reais, comprei um mapa da Argentina, fiz um lanche e quando fui sair do estacionamento me esqueci de tirar a trava da roda. Levei meu décimo terceiro tombo. Rezei para que o policial não tivesse assistido, acho que não viu. Pedi para um sujeito tirar uma foto minha para registrar minha saída. O cara bateu duas belas fotos da sua cara. Imbecil! Quando finalmente consegui arrancar, não conseguia engatar a segunda, só primeira e ponto morto. Entrei em primeira em Passo de Los Libres. Todos livres, menos eu. No primeiro posto de gasolina parei. Perguntei para um funcionário se ele manjava de moto. Disse que sim. Em seguida puxou o pedal de trocar as marchas, que tinha entortado para dentro, e tudo voltou ao normal. Ufa! Vamos em frente. Entrei no centro de Passo de Los Libres, não achei a saída certa e me perdi. Parei, perguntei para um senhor, ele me deu a orientação e finalmente achei a estrada. Parei noutro posto, comprei o extintor de incêndio, obrigatório na Argentina, e em seguida peguei a estrada. Argentina, aqui vamos nós!
E foi indo bem mesmo, peguei confiança, a estrada era boa, boa visão, o dia claro, bonito, tudo certo. Depois de andar bastante, parei numa lancheria a beira da estrada, tomei um refrigerante. Num posto perto dali abasteci, e segui em frente.
Fazia muito calor. Ao meio dia passei por um lugar pequeno, tinha um restaurante, parei e almocei. Fazia um calor bárbaro. Quando voltei para a estrada pude observar que para frente se armava um temporal. Andei por estradas de retas muito longas.
Finalmente cheguei numa localidade chamada Federal. Abasteci e resolvi ficar por ali mesmo pois começou um enorme temporal de vento e ameaçava chover.
Achei um hotel na beira da estrada chamado Yatay. Uma moça gorda, feia e antipática me cobrou 50 pesos adiantado. Acho que foi porque não queria colocar a moto na garagem. Eu tava cansado e achava que onde estava não tinha problema. Depois coloquei a moto na garagem.
No apartamento tomei banho e lavei a roupa suja; 2 pares de meia, duas camisetas de manga comprida, 3 cuecas e 2 cuecões. Improvisei varais no quarto : madeira da cortina, uma arara que tinha na parede para pendurar roupas, e consegui enganchar a aranha (redinha que prende objetos encima da moto) no suporte da TV, nela pendurando cuecas e meias. Agora é torcer para secar até amanhã de manhã. Liguei para casa, depois fui dormir.




24 de Dezembro de 2007

Grande dia. Saí cedo, peguei a estrada. Tudo bem. 100 Km adiante começou uma cerração violenta, quase chuva. Parei, tomei um café com sanduíche, abasteci e quando peguei novamente a estrada tinha melhorado.
Quando cheguei na cidade de Paraná me perdi no acesso ao túnel que liga Paraná a Santa Fé. Tive que fazer um belo retorno. Finalmente achei a saída. O túnel passa por baixo do Rio Paraná, deve ter pelo menos 8 Km de extensão. Quando cheguei no pedágio para passar o túnel, escolhi o bolso errado, caíram várias moedas em reais, e um ônibus atrás de mim, com pressa. A jaqueta de motoqueiro, como é justa, dificulta para encontrar o dinheiro. Um sujeito veio e juntou as moedas para mim. Quando arranquei o ônibus veio atrás de mim, não dava para ele me ultrapassar. Foi longe atrás de mim.



Porque um túnel e não uma ponte?
O túnel tem sobre a ponte a vantagem que é praticamente insensível as cargas. Admite, por exemplo, o material militar mais pesado que se encontre em uso e que no futuro se utilize. A ponte, pelo contrário, tem um limite de carga que restringe a passagem de material pesado. O túnel tem praticamente vida ilimitada. A ponte, por fadiga do material, conta com limite de vida útil. O túnel não apresenta nenhum obstáculo a navegação. A ponte com pilares, afeta a livre navegação. O subsolo do rio Paraná é ótimo para tolerar um túnel. Do ponto de vista econômico o serviço anual correspondente ao túnel é inferior ao da ponte.




Chegando a cidade de Santa Fé avista-se esta linda ponte.




Depois comecei a cuidar a saída para Córdoba. Um sufoco. Quando achei a saída a Polícia havia bloqueado a passagem por causa de uns manifestantes. Fui obrigado a entrar para a cidade. Um senhor conduzindo um cachorro pela coleira me deu as dicas. Dobra ali à esquerda, contorna aquilo, segue reto, etc. E um congestionamento danado. E eu me equilibrando encima da moto e o calor judiando. Dalí a pouco outro bloqueio. Um guarda me informou que deveria retornar e procurar a saída norte da cidade. Não acreditei. Pelo meu quase desespero, finalmente consentiu que eu seguisse e assim de moto passei pelos pneus em chama. Ufa! Graças a Deus!
Na saída para Córdoba, parei numa lancheria, eram meio dia e pouco. Tomei um Gatorade. Na saída da lancheria, por causa do meu salto alto, tropecei na calçada e caí de todo comprimento no chão (décimo quarto tombo, agora sozinho, sem a moto). O capacete voou da minha mão e bateu com a viseira no chão. Arranhou o lado esquerdo. Que merda! Agora vou ter que seguir a viagem com a viseira arranhada. Até que dá para enxergar!
Fui em direção à São Francisco. Antes de chegar lá abasteci num Posto. Na lancheria do posto pedi uma torrada, o cara colocou a torrada no microondas e pensou que eu ia ficar cuidando. Eu fiquei esperando. Quando o cara viu já tava queimada. Comi assim mesmo.
Chegando a São Francisco, virei à esquerda sentido Villa Maria. Depois de uns 60 Km parei numa lancheria, tomei uma coca com picolé de chocolate.
Voltei à estrada. Entraram dois bichos ao mesmo tempo no capacete. Ficaram andando pela viseira. Diminui a velocidade, abri a viseira e eles se foram. Mais adiante entrou outro bicho, que começou a andar pela minha cara. Tirei a moto da estrada, mas no desespero de me livrar do bicho, a moto foi pro chão, e eu junto (décimo quarto tombo, agora junto com a moto). Ainda bem que os acostamentos deles são de grama, não doeu muito. Estou ficando craque em cair de moto, já não sinto mais nada. Tentei parar alguém pra me ajudar a levantar a moto. Em vão. Precisei tirar tudo de cima da moto, levantá-la, arrumar tudo de novo em cima, e seguir.
Quando estava a 20 Km de Vila Maria, passei por um lugarejo chamado Arroyo Algodon. Vi algo que parecia ser um camping com piscina. Parei num posto à frente, abasteci e me informei. Chegando ao camping uma senhora me recebeu. Falou que era um clube, mas que por 1 peso eu podia armar minha barraca (parca em castelhano).
Tomei um belo banho, depois liguei para o Renato de Uruguaiana, para a Tia Maria e para casa. A tia Maria ficou muito preocupada.
Na volta para o camping uns meninos me convidaram para jogar futebol. Indagaram-me sobre tudo. Joguei com eles. Fiquei todo suado, mas valeu a pena, fazia horas que não jogava.
Mais tarde os pais deles me convidaram para a ceia de Natal. Comemos, bebemos, jogamos bocha, virei celebridade. Foi magnífico, fui tratado de modo espetacular. Que gente! Fui dormir as 2:30 hs.



Noite de Natal em Arroyo Algodon – Argentina





25 de Dezembro de 2007

Agora são 9:00 h. Estou aqui sozinho e preso. O portão está fechado. Desmontei a barraca, fiz exercícios de alongamento e aproveitei para manter a escrita em dia. Como não aparecia ninguém resolvi pular o portão (depois descobri que estava aberto). Fui ao Posto, fiz um lanche, voltei e pulei o portão de volta. Dali a pouco chegou a senhora que cuidava do local. Despedi-me e segui viagem.
Passei por Villa Maria e depois fui em direção a Rio Quarto. Passei por Gal. Hereza, depois por General Cabrera, várias localidades pequenas.






Como sentisse muita dor nas costas e estivesse muito calor, ia parando e fazendo lanches e sempre bebia algo. As dores foram aumentando no começo da tarde. Cheguei a conclusão que se tratava de uma tendinite. Doíam muito os dois ombros, principalmente o lado direito. Nas costas é como se tivesse um punhal fincado. Interessante é que quando parava e descia da moto, parava de doer. Depois de um tempo parado eu voltava melhor, mas à medida que o tempo passava voltavam as dores. Lembrava-me que a Regina sempre dizia que era tempo de desistir, depois já ficava muito longe. E a minha sogra que dizia, não arrumar motivo para preocupação. Quando me sentia melhor cantava músicas do tipo: “Caminhando contra o vento sem lenço sem documento, no sol de quase dezembro, eu vou.....” ou “Longe de casa há mais de uma semana, milhas e milhas distante, do meu amor...” Essas músicas me acompanharam toda a viagem.
À medida que a tarde progredia começou a aumentar o vento. E eu fui ficando cansado. Às vezes era obrigado a parar pela dor. Uma hora parei do lado de umas árvores muito altas, um lugar muito agradável, dava vontade de ficar ali mesmo. Mas ali não dava, precisava seguir.
Lá pelas 16:30 há 45 Km de Mercedez, o tempo enfeiou. Parei num Posto de Gasolina em Chajan. Não tinha ninguém. Resolvi entrar em Chajan. Encontrei um Complexo Poliesportivo. A moça que me atendeu não entendia nada do que eu falava. Chamou um senhor que disse que eu ali não podia ficar por que à noite eles fechavam tudo e eu não poderia sair no dia seguinte. Indicou-me para armar a barraca atrás do Posto de Gasolina. Estava me preparando para ir para lá quando veio outro senhor, bem moreno, dono do boteco local, que se prontificou a abrir o portão no outro dia. Beleza! Encostei a moto do lado do boteco (Kiosco), armei a barraca. Serviu-me lingüiça, carne de cordeiro e pão. Tomei uma cerveja Quilmes. Experimente Fernet (bebida típica da Província de Córdoba), seria a nossa cachaça, mas de gosto muito diferente, que eles misturam com coca-cola. Dizem que pura é bom para problemas estomacais. É feita de ervas. Conversei com um senhor, químico industrial, que mora em Buenos Aires e que estava indo para San Juan. Muito educado.
Saí a pé para telefonar. Voltei e dormi um pouco.
Mais tarde me acordaram para a janta (uma espécie de cachorro quente, embora frio). Ficamos conversando, eu e mais 8 jovens. Eles são ótimos. Todos, sem exceção, muito simpáticos. Eu achei incrível um grupo tão parelho. Muito alegres e muito divertidos. A música que eles escutam também é bem agradável e animada. Indagaram-me bastante, contei minhas proezas. Riram muito. Pediram para que eu lhes dissesse um palavrão em Português. Falei em veado e disse o que significava. Logo um deles apontou para outro e disse: esse é veado. Ao que o cara respondeu: jo soi um enviado de dios, com o que todos rimos. O enviado de dios é uma figura e tanto.


Lanche em Chajan bebendo Fernet.





Depois nos despedimos.
Ameaçava um temporal e eu fiquei ali sozinho. Acomodei-me dentro da barraca e logo em seguida começou a ventania. Depois a chuva. Graças a Deus a barraca resistiu. Dormi a noite inteira.

26 de Dezembro

Acordei com uma vontade imensa de fazer xixi. Que alívio quando consegui chegar ao banheiro. Agora já arrumei as coisas, fiz meus exercícios de alongamento. O tempo está um pouco fechado, mas não está chovendo. Estou esperando que o homem venha abrir o portão.
Quando o sujeito chegou me despedi, fui ao posto tomar café, abastecer e me fui. Alertaram-me bastante para não entrar em Mercedez, caso contrário, tirariam até a minha moto, ficava sem nada. Então tomei muito cuidado.
Depois de 45 Km antes de chegar a Mercedez, virei à esquerda e peguei a autopista, estrada ótima.
Quando cheguei a San Luis resolvi entrar na cidade para fazer a revisão da moto.

San Luis - centro

Que arrependimento! Encontrei uma cidade suja, alagada, sem sinalização de preferenciais, com muito trânsito, ruas estreitas, uma confusão. Os guardas trancavam algumas passagens. Quando perguntava onde poderia ter uma autorizada da Honda, e que eu pensava chegar perto, havia um bloqueio da Policia. Fui ficando nervoso. Por falta de prática, andava com as pernas abertas, não ultrapassava ninguém. Mas não caia. Seguia. Mas a coisa foi demorando tanto, era tanta rua, tanta confusão, que numa dessas me fui ao chão, cai em cima de uma calçada (décimo quinto tombo, não vamos perder a conta). Um senhor ajudou a me levantar. Fiquei um pouco nervoso e desisti de procurar a tal Autorizada Honda. Outro senhor me indicou a saída da cidade. Com muito cuidado e com o coração na mão procurei acertar e por sorte consegui achar.
Assim que voltei a autopista, no primeiro posto parei para descansar.
Ali encontrei um casal bem jovem de motociclistas, moradores de Mendoza, que estavam indo para Balneário Camboriú.
Voltei à estrada, só parei em La Paz.
Na estrada comecei a andar a 100 Km/hora. A estrada é ótima. Em La Paz num restaurante a beira da estrada, a TV anunciava que um trem saíra de lá sem o condutor, estava se dirigindo a Beazlei. Procuravam alertar o pessoal do interior para o perigo. Dias depois fiquei sabendo que o trem chegou até lá sem problemas. Em La Paz comi uma chuleta com batata frita.
Depois peguei a estrada novamente. No Km 937, onde diziam daria para avistar a Cordilheira pela primeira vez, não deu. O dia estava bem nublado para o lado da Cordilheira.
Perto já de Mendoza parei num posto para abastecer. Um rapaz de muita má vontade derramou gasolina na minha moto. Virei bicho. Xinguei o cara o que pude, chamei de incompetente, mal profissional, disse que ele havia feito de propósito. O Posto era da Petrobrás. O cara ameaçou vir para cima de mim, mas não veio. Acho que o cara era louco. Reclamei com o superior dele e ele me confirmou que o sujeito era novo ali. Metia a boca no cara.
Dali saí, fui até um Condor dourado, fiz o balão e peguei pela primeira vez a Ruta 40. Parei num Posto, fiz um lanche. O cara da lancheria de muita má vontade também. Fui pegar uma informação no Restaurante ao lado do Posto. Informaram-me que em Potrerillos, conseguiria um camping, 65 Km dali, em direção ao Chile. Peguei a Ruta 7, intenso movimento de caminhões.
Cheguei a Potrerillos cansado, exausto, parei num lugar meio difícil para estacionar a moto, mas precisava pedir informação. Indicaram-me um camping do ACA (Automóvel Clube Argentino). Para fazer a volta quase caí numa vala, mas consegui dominar a moto, dei uma ré com os pés, me alinhei e segui.
Na frente do camping tinha um casal de La Plata, Província de Buenos Aires, que estava esperando um mecânico, pois seu Gol estava com problemas. Conversei com eles, gostei deles, Raul e Gabriela.
Quando se chega a Cordilheira a primeira coisa que se avista são o que eles chamam de pré-cordilheira. A cordilheira propriamente dita vem depois. Raul me disse que descendo de onde estávamos 100 metros daria para avistar a cordilheira de verdade. Desci a pé correndo e ao avistá-la fiquei encantado. Magnífica, com neve nos pontos mais altos, soberana, misteriosa, gigantesca, silenciosa, um espetáculo. Começava ali a ter a recompensa do meu esforço.







Depois falei com o encarregado do Camping, um sujeito meio gozado, meio metido à besta, com feições pouco definidas, não sabia se dava para acreditar nele ou não, se dava ou não para fazer amizade com ele. Não gostei dele desde o primeiro contato e isto continuou até o fim. O preço da diária era relativamente caro, 35 pesos por dia. Chorei e consegui por 30. As instalações eram bem precárias. Banho quente só das 18 às 22 horas. O banheiro meio caindo aos pedaços, sem manutenção. Ele até que procurava mantê-lo limpo.
Como gostara muito do casal de argentinos, resolvi ficar ali mesmo. Armei minha barraca. Depois tomei banho, fui telefonar, fiz algumas compras. Comprei banana, maça, panetone e leite achocolatado (leite da caixinha, achocolatado), mas ao chegar de volta ao Camping as bananas estavam desmanchadas. Quase não aproveitei nada. Tomei 1 litro de leite achocolatado.
À noite Raul disse que iram ver o Aconcagua no dia seguinte e depois retornavam àquele local. Convidaram-me para ir junto. Para evitar o intenso movimento de caminhões daquela estrada, achei ótimo. Também pela companhia dos dois. Eles estavam com problema na mangueira do radiador. O mecânico disse que resolve o caso até o meio dia do dia seguinte. Raul e Gabriela têm 39 anos, são casados há 12 e estão decidindo ter ou não filhos. Ele é carpinteiro e escultor. Pessoa de muita sensibilidade. Há dois meses e meio atrás caiu da moto, fraturou o pé e a esposa que presenciou o acidente ficou muito traumatizada. Um carro cortou a frente dele na cidade.
À noite, na barraca, passei frio.

27 de Dezembro de 2007

Hoje foi um dia dedicado ao descanso. Passei em Potrerillos. Conversei muito com o Raul e a Gabriela. Raul é um escultor magnífico, um grande talento. É também mágico de cartas. Gabriela é atriz, mas como não consegue trabalho, que lhe pague bem, é funcionária pública. Viajaram muito de bicicleta, por muitos lugares aonde irei. Deram-me dicas de viagem, vestimentas que deverei comprar para enfrentar o frio. O mecânico passou de manhã, arrancou a mangueira à faca, levou para comprar a mangueira, passou todo o dia e não voltou.
Almocei um bife a milanesa e batatas fritas. Tomei uma cerveja.
À tardinha fiquei um pouco enjoado, comprei um antiácido (Ali Kal ou coisa parecida) e melhorei. Tentei ligar para casa, mas não consegui, sempre ocupado.
Hoje lavei roupa, estendi numa cerca cheia de teias de aranha, mas tudo bem, funcionou, botei tudo em dia.

A Caminho do Aconcágua

28 de Dezembro de 2007

Raul, Gabriela e eu pegamos a estrada e fomos para o Aconcágua. Paisagens na estrada, maravilhosas.







30 Km para lá de Upallata, o carro pifou. Veio o mecânico, fez uma emenda no cano que se rompeu e voltamos a Mendoza para comprar uma mangueira nova. Gabriela ameaça voltar para La Plata. Segundo ela quando começa a não dar certo é um sinal de que deve voltar. Eu acho que não, mas....
Voltamos a Potrerillos. Na volta falei para eles, estas horas estão festejando os 50 anos de casados dos meus sogros. Pena que não possa estar lá.
Quando cheguei a Potrerillos telefonei para a Regina e ela me falou que a festa estava ótima.

29 de Dezembro de 2007

De manhã cedo fui ao banheiro, a porta trancada, tentei abrir, a porta não abria. De repente a porta se abriu, apareceu o encarregado do camping e fez cara de poucos amigos, dizendo que eu devia aguardar. E ficou lá dentro cantando de um jeito meio gozado, acho que tinha um parafuso meio frouxo.
Raul e Gabriela resolveram ir de novo ver o Aconcágua. Quando chegamos a Upallata, novamente o radiador do carro começou a esquentar.

Em Uspallata - Argentina




Minha amiga Maria Gabriela de La Plata – Argentina



Pensávamos que a foto na camionete retratava o Aconcagua. Como não conseguíamos avistá-lo, tiramos estas fotos. Depois nos demos conta que a paisagem não era referente ao Aconcagua, e sim de outra montanha que se avista de Uspallata, conforme foto a seguir, tirada a poucos metros das anteriores.


Pela manhã conseguimos consertar, apesar de muita dificuldade, o vazamento. Indicaram-nos um local, perto dali, onde poderíamos avistar o Aconcágua.
Finalmente o avistamos, tiramos fotos, festejamos.






O monte Aconcágua - Sentinela de Pedra - tem 6.962 metros de altitude, e é simultaneamente o ponto mais alto das Américas, de todo o Hemisfério Sul e o mais alto fora da Ásia. Fica localizado nos Andes Argentinos, a cerca de 112 km da cidade de Mendoza. Está localizado no Parque Provincial Aconcágua, cuja entrada fica próxima ao povoado de Puente del Inca.
Possui três vias de acesso: a normal, o Glaciar dos Polacos e a Parede Sul. A mais frequentada é a rota normal ou noroeste, que apresenta menos obstáculos técnicos - mesmo assim, não é recomendada para aventureiros não climatizados ou não experientes. As outras duas requerem escalada em gelo e rocha. A sua silhueta árida, os cumes gelados, o deserto de um lado e o oceano do outro mostram a magnitude e a magia da natureza.
Apesar de sua altitude, o Aconcágua não é uma montanha difícil de ser escalada do ponto de vista técnico, pois para atingir o seu cume pela rota normal não é necessário que o montanhista realize escaladas técnicas.
O desafio que a montanha apresenta é um teste de resistência física pois o montanhista tem que superar o frio e a falta de oxigênio comum às grandes altitudes.










Na volta passamos pelo local em que o herói nacional argentino San Martin, fundiu os canhões para a luta que enfrentaria contra os espanhóis.

José de San Martin – Herói argentino, que lutou pela expulsão dos espanhóis da América, ajudando a conquistar a independência da Argentina, do Chile e do Peru.
“ Em vinte e quatro dias fizemos a campanha, passamos as cordilheiras mais elevadas do globo, terminamos com os tiranos e demos liberdade ao Chile” Palavras do General San Martin. Santiago do Chile, 22 de fevereiro de 1817

Ao longo de seus 72 anos José de San Martin sofreu de : asma, hemorragia digestiva, feridas e traumatismos vários, gota, hemorróidas e fístula anal, paludismo, difteria, cólera, tifus (erisipela, convulsiones, iritis, cataratas, parasitoses (pulgas, piolhos, etc.).


Segundo o Gal. Mitre:
“Os heróis necessitam ter saúde robusta para superar as fadigas e dar aos seus soldados o exemplo da força em meio ao perigo, mas há heróis que com quatro membros menos, sujeitos a enfermidades continuas ou com um físico indelével, superam as suas misérias pela energia de seu espírito. A esta raça de inválidos heróicos, pertencia San Martin”


Quando estamos voltando para Upallata, novamente o radiador do carro começa a esquentar.
A essa altura estamos todos também já meio quentes, a Gabriela nem se fala.
Só conseguimos sair de Upallata a 1 da manhã, depois que o mecânico abriu o motor e trocou a junta. Na volta fui dando dicas ao Raul de como dirigir, haja visto que ele manifesta ter tanta experiência para dirigir carro quanto eu para moto.
Quando chegamos ao Camping de Potrerillos tinha uma festa que durou até 6:00 da manhã. Foi difícil dormir, apesar do cansaço.

A caminho de San Rafael e Las Lenas

30 de Dezembro de 2007

Só de raiva, resolvi fazer justiça pelas próprias mãos, sai do camping as 7:00 hs, sem pagar a última diária.
Tínhamos resolvido ir a San Rafael, visitar o Cânion do Rio Atuel. A viagem de moto foi tranqüila, cheguei a San Rafael as 12:30 hs. Esperei 1:30 hs pelo Raul e a Gabriela. Perguntei pelo carro, disseram que estava tudo bem. Aí fomos para Vale Grande procurar um camping às margens do Rio Atuel. Chegando ao camping da Márcia, fiquei lá enquanto eles viam se havia outro camping mais interessante. Começaram a demorar muito, quando apareceram, estavam com cara de enterro, o carro havia esquentado de novo. O plano deles era passar ali 3 dias. Com isto, resolveram voltar para La Plata no dia seguinte. E eu perdi meus parceiros para passar o Ano Novo.

31 de Dezembro de 2007

Finalmente me despedi do Raul e da Gabriela. Trocamos fortes abraços. Eles foram para San Rafael atrás de mangueiras e eu fui fazer o roteiro turístico de Vale Grande. Muito bonito, lugares encantadores.

Rio Atuel


As cabeceiras de dois de seus mais importantes vales foram testemunhos de acidentes aéreos que chamaram a atenção mundial por suas características pouco freqüentes. O primeiro remonta ao ano de 1972 e ocorreu ao pé do célebre Paso de las Lágrimas, na ocasião que um avião Fairchild da Força Aérea Uruguaia voava com 45 passageiros, entre eles vários jogadores que viajavam ao Chile por razões esportivas. Os sobreviventes, que em definitivo foram 16, permaneceram 71 dias no local totalmente coberto por uma grossa camada de neve. Diante da carência de víveres se viram obrigados a ingerir restos dos mortos no acidente. Finalmente dois deles, após caminhar penosamente durante 10 dias através das cadeias montanhosas que os separavam do território transandino, chegaram a uma vila chilena onde lhes foi prestado auxílio, para resgatar logo aos sobreviventes restantes que permaneciam na montanha. Os pormenores desta dramática história e da busca dos familiares é conhecida em todo o mundo, e foi inspiração para livros e até um longa metragem de Hollywood, “Vivos”. Porém é menos difundido o fato de que se os sobreviventes houvessem descido para o Valle do Rio Atuel, que está bem próximo e somente haveria exigido um esforço de horas, o resgate haveria sido rápido e menos penoso.

Em 16 de maio de 1960 se chocou contra os paredões do Cerro Sosneado um avião Curtis C-46 da Companhia TransAmerican. Como relatada em sua época pelo jornalista Alberto Rovira, transportava nove pessoas e sete cavalos de corrida,em viagem de Santiago do Chile ao Uruguai. A tripulação estava composta pelo comandante Pedro Lafuente e os co-pilotos Fermín Gómez e Oscar Carballo. Como passageiros viajavam Pedro Horacio Etchegaray, Carlos Luján, Pedro Puccinelli, Omar H. Silva, Raúl L. Díaz e como mecânico de vôo Domingo Vacarelli. A máquina conduzia sete cavalos de corrida, alguns com destacada atuação nas pistas argentinas. Os animais se chamavam Kobe, Baronete, Finísimo, Marrasquera, Pirapó, Malgaster e Limera.
Depois do desaparecimento do avião não se teve mais notícias sobre ele, apesar de uma intensa busca por ar e por terra. Em 1962 uma expedição composta por funcionários policiais e judiciários chegou ao lugar da catástrofe, estava nas nascentes do Arroyo Malo, na base da face noroeste do Cerro Sosneado. Encontraram o avião destruído e entre seus restos os cadáveres mutilados dos 9 passageiros e dos cavalos. Circulou a partir de então a versão de que o avião e seus passageiros haviam sido saqueados e que as somas resgatadas eram elevadas. Dez anos depois, em 1972, por denúncias de supostos vizinhos da região se levou ao conhecimento do acontecido; a polícia deteve Víctor Arteaga, Jaime Rojas, Jorge Riveros, Raúl Rivero e Julio Guzmán, moradores da região que se confessaram autores do saque do aparato e das vítimas do acidente aéreo. Foi estimado que houvessem resgatado mais de 500.000 dólares, uma importante quantidade em moeda argentina, moedas de ouro peruano e dinheiro chileno, além de roupas e outros objetos de valor. Os saqueadores, que desconheciam os valores das moedas estrangeiras, foram por sua vez desapropriados de importantes somas por comerciantes locais. E um dos saqueadores, sendo descuidado, empapelou com dólares as paredes de sua humilde casa para embelezá-la, logicamente mais tarde acabou sendo detido pelas autoridades.

Depois de percorrer o Vale Grande fui a San Rafael, encontrei uma Autorizada Honda e pude fazer a revisão da moto. 1:00 hs da tarde estava pronto. Dei uma nota de 2 reais e uma moeda de 50 centavos para o Maurício e uma moeda de 25 centavos para o Marcelo, funcionários da loja. Mauricio faz coleção.
Saí de San Rafael em direção a Las Lenas, famoso centro de esqui no inverno. A estrada até certo ponto era boa, depois peguei um pedaço de ripio. Comecei a me acostumar ao que significa uma estrada de ripio. É de arrepiar. Nada de posto de gasolina. O que encontrei esta fechado até dia 2 de janeiro.





Cheguei a Las Lenas quase sem combustível e lá também não havia gasolina no posto. Fui ao serviço de informações turísticas e me queixei. Deram-me razão, mas não podiam resolver o meu problema. Depois um policial é que resolveu. Telefonou para um sujeito, ele veio, abasteceu a minha moto e só assim consegui seguir viagem.
As paisagens muito bonitas também naquela região.
Quando cheguei a Malargue uma moça de camionete me conduziu até o Camping Municipal. 10 pesos a diária. Arrumei a barraca, tomei banho e fui a pé ao centro. Telefonei para Regina, liguei para o Renato que me disse que estariam em Comodoro Rivadávia dia 7 de janeiro, que eu os esperasse num camping na saída da cidade. Depois tomei um sorvete e dei uma caminhada pela cidade.
A cidade é bem agradável, pena que joguem lixo na rua. A praça é muito bonita. Comprei pães doces e água mineral para comemorar a passagem de ano.
Passei a noite sozinho dentro da barraca. Quando deu meia noite, levantei os pés para cima, como sempre faço. Começamos um novo ano. Que Deus me permita voltar para casa.

Perdido em El Payen

01 de Janeiro de 2008

Saí de Malargue ainda escuro. Fiz alguns quilômetros de estrada muito boa e de cenários lindíssimos, depois os cenários continuaram lindos, mas a estrada era de ripio. 40 Km de ripio até um local chamado Bardas Blancas. Que paciência tem que se ter para percorrer um trecho desses. Bem devagar, com todo o cuidado. E não chega nunca. E vai esquentando o dia.
Quando finalmente cheguei perto da Ruta 40 havia uma encruzilhada. Para esquerda tinha uma tabuleta que dizia YPF 40 Km. Fui para esquerda. Errado. Quando me apercebi do erro já havia andado muito. 40 Km indicavam o campo de exploração petrolífera da YPF, não um posto de combustível. Estava perdido no meio do petróleo, com a gasolina acabando. Comecei a tentar achar uma saída. Qualquer saída significava andar grandes distâncias de estrada de chão. Cruzei por uma camionete e virei à direita. Cheguei num local que dizia ser de alta tensão, que não podia estacionar. Virei à esquerda, andei, andei e voltei ao mesmo ponto. Vi que havia uma saída descendo, em direção à cordilheira. Fui ver no que dava. Dava num beco sem saída. Cansado parei. Desci da moto. Tirei o capacete, as luvas. Virei a moto a pé, pois dirigindo era meio difícil. O lugar com muita pedra solta. Subi na moto, arranquei de volta estrada acima. Vi que deixara as luvas. Voltar nem pensar. Vou sem luva mesmo. Andei, andei, e o combustível diminuindo. Depois de andar bastante encontrei um funcionário da YPF carregando ou descarregando um caminhão. Falei com ele, expliquei que estava perdido e ele me indicou o caminho para a Ruta 40. Fui, andei, andei. Em determinado lugar, tinha que dobrar a direita, seguir reto e chegar a Ruta 40. Cheguei num local e fiquei na dúvida, a estrada para a direita era muito ruim, não podia ser por ali. Mas era. Dobrei a esquerda. Andei bastante para finalmente descobrir que estava perdido. Vi umas placas que indicavam um caminho turístico, eu estava igualmente na Reserva Provincial El Payen, local onde se encontram vários vulcões extintos.


Resolvi seguir as placas. Mas a estrada ia piorando cada vez mais. Não deu para continuar. Voltei. Passei duas vezes por uma casa em que 3 ou 4 cachorros queriam me pegar. Pensava em parar lá para perguntar, mas achei melhor não fazer isso. Cada vez mais quente, cada vez mais preocupado. Cheguei numa encruzilhada, passei por uma santinha na beira da estrada. Resolvi parar e pensar. Onde estou, o que devo fazer, já que o combustível é pouco, não tenho água, não tenho comida e o calor está sufocante. Escolhi uma direção, andei um pouco e avistei uma construção lá embaixo. Era o escritório da YPF. Desci um morro e cheguei lá. Desci, bati na porta. Demorou, mas apareceu um sujeito chamado Mário. Disse que não tinha erro. Fez um mapa de como encontrar a Ruta 40. “Você sobe, chega numa santinha, dobra a esquerda, vai até uns caracoles (onde a estrada faz uma série de curvas), depois cuida que a esquerda vai encontrar uma entrada pequena, entra e segue reto até a Ruta 40. Perguntei para ele,”Tem certeza?” “Não tem erro”, me respondeu. Olha que não tenho mais combustível, preciso achar logo a saída! Fiz o que ele indicou. Achei a Santinha, dobrei a esquerda, passei pelos cachorros a terceira vez, eles correram atrás de mim de novo, cheguei nos caracoles e daí para frente com toda a atenção fui procurando uma estrada à esquerda. Achei uma. Entrei. Era pequena, mas ele disse que era pequena. Andei um pouco e de repente ao contornar um cerro, me apavorei. Uma estrada bem estreita, cheia de pedras no caminho e margeando um cerro, sem nenhuma proteção. Suei frio. Mas ele disse que era por aqui, seja o que Deus quiser. Fui descendo, descendo e finalmente consegui chegar lá embaixo. Andei um pouco e cheguei numa bifurcação. E agora? Para a esquerda não me parece ser. Parei a moto, desci, com muita dificuldade virei a moto para o outro lado, resolvi percorrer o caminho da direita. Era uma reta comprida. Depois de uns 2000 metros cheguei no final da linha, nada mais para frente. Voltei. Então era para o outro lado. Ao chegar na bifurcação tive ali para cair. Consegui equilibrar a moto. Andei um pouco, a estrada deu uma subida e novamente cheguei a um beco sem saída. Desci da moto, e fiquei preocupado. Aqui não vai passar ninguém nunca, isto aqui está completamente abandonado. E eu encharcado de suor. O sol uma brasa. Voltei. Achei outra saída, andei um pouco, saltou uma mulita (pequeno Tatu) na minha frente. Era só o que me faltava mesmo. Acho que se quisesse teria cruzado por cima dela, pois foi alguns metros na minha frente. O caminho virou para esquerda, depois para direita e o que vi fez com que parasse. Tinha um caminho de pedra que seria impossível cruzar de moto, de certeza até o Alexandre Barros não toparia. Bom! Só me restava uma saída. Voltar para o Escritório da YPF. E cruzar por onde havia descido, com mais de 50% de chance de cair da moto. Mas não me restava outra opção. Pensei comigo, vai Eduardo, não tem escolha. Se tiver que ser, vamos já. E fui. Concentrei-me ao máximo para colocar a roda no único lugar que dava para colocar, fui indo fui indo e cheguei lá encima. Cruzei pela casa dos cachorros, mas desta vez descobri outro lado, enganei eles. Cheguei ao Escritório da YPF determinado a não sair dali mais de moto, não interessava o quão bem me explicassem. Desta vez tive a sorte de encontrar um sujeito chamado Gustavo, enfermeiro da YPF, que me deu toda a atenção e cuidados. Levou-me para o alojamento dele, me deu refrigerante, salada de frutas. Disse que providenciariam combustível e que me levariam até a Ruta 40. Ótimo. Levaram-me noutro local onde me deram um sanduíche gigante, que eu não consegui comer nem a metade e mais três pastéis (comi 1). Trouxeram-me mais refrigerante, providenciaram gelo. Eram nessa altura umas 8 pessoas. Como é bom numa hora dessas a gente encontrar gente como aquelas. Fantástico.


Este grupo, funcionários da YPF, será para mim inesquecível. Ao centro de guarda pó verde, o enfermeiro Gustavo, a minha esquerda Marcelo, o mais gozador deles. Bem a direita da foto, de óculos, Jorge, que me levou até a Ruta 40. Ao fundo, em primeiro plano (cor amarronzada) o vulcão Santa Maria.


Tiramos fotografia (na foto acima é o Marcelo), nos despedimos e o Jorge foi me levar na Camionete para a Ruta 40.


De repente Jorge recebe uma comunicação para esperar um pouco. Dali a pouco chega o Marcelo. Esquecera de me entregar a chave da moto. Seguimos em frente. Quando chego à Ruta 40 me apavoro. Cadê o asfalto? Puro rípio, e bem ripio. Digo para o Jorge que pago o combustível para ele me levar até o asfalto. Diz que não pode, pois é controlado através de um aparelho. Pergunto quantos Km tenho que enfrentar. Diz que são 30 Km. Disse isso para não me desanimar. Na verdade eram 50 Km. Que remédio! Descemos a moto. Liguei e me fui.
Que estrada danada. Muita brita solta, às vezes um pedaço de asfalto, que loucura. E eu cansado. O Gustavo tinha me dado uma garrafa de água, mas eu agradeci, disse que em seguida eu parava em algum lugar. Agora eu sei por que ele queria que eu levasse a água. Agora é tarde. A boca seca, calor e aquela estrada que não terminava nunca. Até que chegou num ponto que eu disse. Não dá. Tinha uma areia bem fininha, dessas que a gente vê na praia, cobrindo uns 6 metros de estrada. Achei que não cruzaria por ali sem cair. Quem tem experiência passa, eu resolvi não arriscar. Parei a moto. Resolvi empurrar. Claro que a moto chegou à metade e não foi nem para frente, nem pra trás. Logo em seguida apareceram dois carros de argentinos. Parei-os , contei o meu drama, eles desceram e me ajudaram a empurrar a moto até o outro lado. Beleza. Disseram que eu seguisse na frente. Disse-lhes que eu ia devagar, não queria atrapalhá-los. Foram mesmo assim atrás de mim. Ainda fizemos vários quilômetros de estrada ruim até chegar ao asfalto. Aí cruzaram por mim e foram embora.
Quando cheguei numa ponte, estava entrando na Província de Neuquem, num lugar chamado Barrancas. Havia depois da ponte um Posto de Gasolina. Quando desci da moto declarei ter sido aquele dia o mais cansativo da minha vida. Estava completamente exausto. Tomei um Gatorade, a bebida mais deliciosa que já tomei. Perguntei ao dono do Posto se poderia armar uma barraca ali mesmo. Sem problema, só que não tem nada. Banho, comida, não tem nada. Mas disse que dali 4 Km tinha um Hotel. Subi na moto e fui pra lá.
Quando cheguei ao lugarejo não acreditei que tivesse um hotel. Buzinei na frente de uma casa, e para minha surpresa a senhora que veio falar comigo disse que tinha. Na segunda rua vire a esquerda, depois à direita e o senhor vai encontrar o hotel. Fiz isso e encontrei uma casa em que funcionava um Hotel Familiar. Ótimo o hotel, um quarto com calefação, com banheiro privativo bem bom, com água quente e tudo. Um oásis no meio do deserto. Por módicos 40 pesos. Nunca foi tão barato. Tirei tudo da moto, estava tudo completamente empoeirado. Tomei um banho. Saí para fazer um lanche e quando voltei me deitei e dormi.
Um dia para nunca mais esquecer.