domingo

Antes da Viagem


Este ano completa-se 30 anos que vindo do Rio Grande do Sul cheguei a Criciúma, cidade pólo da região sul catarinense. Dois anos depois, em 2 de agosto de 1980 casei com uma criciumense, a Regina, e 5 anos depois nasceu nossa filha Fernanda. De modo que tenho meu coração dividido entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Nasci em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, muito embora me considere Piratiniense de coração. Em Piratini estão minhas raízes, lá nasceram meus pais, lá se casaram. Lá viveram meus antepassados. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar de Piratini, costumo contar o que aconteceu com meu pai. Certa vez, numa loja na Av. Farrapos em Porto Alegre, ao fazer um cadastro numa firma e mencionar ser natural de Piratini, a pessoa que o atendia revelou que desconhecia essa cidade. Meu pai mostrou-se um pouco desapontado, ao que o sujeito reagiu desculpando-se, que nunca fora muito bom em geografia. Aí meu pai, Piratiniense dos mais devotos, respondeu brincando: de geografia tu podes não saber muito, mas o que tu não sabes mesmo é de história. Piratini fora em 1835 a primeira capital da República Riograndense, lá o General Bento Gonçalves fora eleito presidente. Por 10 anos os gaúchos lutaram pela independência do resto do Brasil, haja visto na época sofrerem grave discriminação por parte do Império. Não tivemos sucesso nesta tentativa, mas por certo, o reconhecimento e o respeito pela valentia de nossa gente. Só depois de adulto me dei conta que grande parte desta história, a Guerra dos Farrapos, teve como cenário aquela região, sul do estado, na serra dos Tapes, justamente onde está localizada a cidade de Piratini.
Meus pais e minha irmã mudaram-se de Piratini para Porto Alegre em 1953 e eu nasci em 1955. Morávamos no bairro Bom Fim, um reduto de israelitas e seus descendentes. Meu pai, Nery Figueiredo, comerciante, tinha um Armazém na Av. Independência. Minha mãe, Elisa, cuidava da casa, de mim e da minha irmã Eliza Maria.
Estudei o primário no Grupo Escolar Argentina, localizado também na Av. Independência. Que ótimas lembranças aquele colégio deixou! Que tempos bons aqueles em que o ensino público era reconhecido como exemplar, com professores excelentes, em que havia respeito por eles. Lembro ainda os nomes das minhas professoras; a Dna Ivete, a primeira, a Dna Neli, a Dna Elmi Ferreira, a Dna Vera Regina e a Dna Gleci, sem falar na diretora, Dna Nadir, mãe de meu colega e grande amigo de infância Paulo Isehard. No dia comemorativo à Independência da Argentina recebíamos o Cônsul da Argentina e mais de uma vez fui escolhido para fazer a leitura, uma homenagem que o colégio prestava ao consulado da Argentina em Porto Alegre.
Atualmente o prédio onde funcionava o Grupo Escolar é ocupado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Houve muita contrariedade a respeito desta tomada. O sentimento que temos, como ex- alunos do colégio, é algo, guardadas as proporções, semelhante aquele que os argentinos tem pelas Ilhas Malvinas. Não nos conformamos, embora lá esteja o prédio conservado. Quando anos atrás fui visitá-lo e a sensação que tive foi de que, embora o prédio permaneça intacto, a alma lhe foi arrancada. E a alma se expunha com maior intensidade quando da gritaria que as crianças faziam no recreio. Isto não tem mais.
Desde pequeno passava minhas férias em Piratini, na maioria das vezes no interior, numa fazenda do meu tio e padrinho Ivo e da minha tia Leda, dos meus primos Darcy Antônio e Heloísa Helena. Adorava andar a cavalo. Dizia que quando crescesse preferia ganhar um cavalo a um carro. Cheguei a possuir um cavalo, uma égua que a minha vó Honorina me deu, mas acho que nunca cheguei a andar nela. Meu tio, que se encarregou de cuidá-la, mais tarde acabou vendendo. Eu gostava mesmo era de um petiço mouro, que era de um primo do meu primo, o Ernesto. Costumava pensar que de direito o petiço era do Ernesto, que muito pouco andou nele, de fato era meu. Às vezes, porém, chegava a duvidar que ele correspondesse ao meu amor. Quando ia de férias para Piratini, acabava a folga dele. Uma vez apertaram muito a cincha e ele corcoveou comigo, quase me derrubando. Dessa vez não caí, mas de outros tombos não me escapei. Na propriedade do tio Nenê, certa vez, peguei uma égua rosilha, subi nela em pelo, e mandei ver. Galopando lomba acima tudo bem, mas lomba abaixo... ,fui chegando para frente, quando vi estava quase encima da cabeça dela. Aí me atirei, caí na posição de cócoras, felizmente a égua parou ali mesmo e ficou me olhando com aquela cara de quem diz: bem feito!
Depois da mulher, a coisa melhor que Deus criou foi o cavalo, sem dúvida. Depois vem a moto, que me desculpem meus amigos motociclistas.
Na minha juventude quando de férias ia para a cidade de Piratini e ficava na casa do Tio Sílvio e da tia Lídia, dos meus primos Hélio e Araci. Tenho grandes recordações deles e tinha um amor especial pela minha querida tia Lídia. Outras vezes passava na casa da minha prima Nara, do Zezé, marido dela e dos filhos deles, meus primos Alemão, Ico e Flávio. Mais tarde nasceu a Ana Paula. Tive a felicidade de ter ótimos tios e tias, primos e primas.
O estudo ginasial e científico fiz no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Em 1978 me formei em Medicina Veterinária na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como vamos falar de aventura, de certo modo isso lembra sacrifício, superação. Então vamos a alguns antecedentes, que marcaram a minha trajetória.

Aos dois anos de idade, meu pai, voltando de viagem de Piratini para Porto Alegre, trouxe para mim um brinquedo. Era algo meio parecido com o skate atual, uma taboa com quatro rodinhas. No apartamento em que morávamos o piso era de parque (taco), e minha mãe o conservava-o bem encerado. Na primeira oportunidade, coloquei o pé na taboa e quebrei a perna, fiquei 40 dias deitado e no gesso. Lembro-me bem de tudo isso, inclusive, de ter ganhado de uma vizinha, uns aviõezinhos de plástico, de diversas cores.

Às vezes, chego a acreditar, que o espírito de aventura, deve se evidenciar mais naquelas pessoas que já tiveram problemas de pouca grana. Meu pai teve alguns carros que lhe incomodaram bastante, para não dizer muito. Ele não tinha dinheiro para comprar carro melhor, então adquiria carros já muito usados, de difícil conservação, muito confortáveis às vezes, mas que davam muito trabalho. Assim foi com o Aero Willis, o Hudson, mas o que mais deu dor de cabeça, de certeza, foi uma camionete muito parecida com a Kombi, também alemã, da marca Gutbrod.


Estas fotos são de uma pick-up Gutbrod. A do meu pai era um furgão (semelhante à Kombi). A cor era azul claro (predominava) e branca, mas estas fotos lembram muitos detalhes da camionete; toda a parte da frente tanto interna como externamente é semelhante (foi o máximo que eu pude encontrar na internet, acredito ser algo muito raro hoje em dia) Este “carro” está anunciado por 5000 euros.

Esta marca existiu até 1954, meu pai adquiriu uma no começo da década de 60. Uma das viagens marcantes com a Gutbrod, foi uma em que saímos de Porto Alegre em direção ao balneário de Tramandaí. Saímos à meia-noite, não me perguntem por que nesse horário, pois não me lembro, mas o interessante é que não tínhamos farol, meu pai foi dirigindo com a luz da lua. A lua, pelo menos era cheia. Na época não tinha a Free Way, íamos por Gravataí e passávamos por Santo Antônio da Patrulha, famosa cidade pela qualidade de seus deliciosos sonhos. No caminho, um policial fez a gente parar. E aí Sr. Nery, e os faróis? Paro depois da curva seu guarda, não se preocupe, respondeu meu pai. Os tempos eram outros, não multou e deixou seguir. Depois da curva rumamos direto para Tramandaí, chegando lá as 6:00 da manhã. Nesta oportunidade, confesso, a Gutbrod foi bem. Mas acho que foi a única. Às vezes tínhamos que voltar de ônibus, outras seguir de ônibus, dependia de estarmos mais pra cá ou pra lá em direção ao destino.
Certa vez, que íamos de Porto Alegre para Piratini, numa segunda tentativa (uma semana antes tínhamos voltado de ônibus), perto de Pelotas, a estrada estava sendo asfaltada, no meio de um barro danado a Gutbrod apagou e não ligou mais. Saímos, eu, minha irmã e minha mãe com barro à meia canela e pegamos um ônibus que ia para Pelotas. À noite, no hotel na frente da rodoviária, minha mãe não dormiu a noite inteira abanando os mosquitos que nos queriam devorar. Inesquecível. No outro dia pegamos outro ônibus para ir para Piratini. No tempo que uma viagem dessas, de ônibus de Pelotas pra Piratini era uma aventura. Lembro-me que a marca do ônibus era Pulman. Geralmente eu passava mal, ficava enjoado, botava a cabeça pra fora da janela e o resto vocês podem imaginar. Lembro-me como se fosse hoje. Quem vinha atrás que fechasse a janela. Isso comigo acontecia sempre, era a única coisa ruim da viagem. O motorista, de nome Dionísio, permitia quase tudo; levar galinha, porco, parar pra fazer um pequeno negócio. Como a estrada não era asfaltada e o ônibus parasse constantemente, entrava terra aos montes. A gente chegava em Piratini meio amarronzado. Quando chovia era um drama. Era muito comum o ônibus derrapar (tirar um peludo, como se dizia), entrar numa valeta a beira da estrada e termos que esperar que um caminhão ou trator viesse arrancá-lo. Limite máximo de lotação talvez houvesse, mas não era cumprido. Todo mundo na maior calma, a gente nem sabia da existência da palavra stress. De depressão, acho que nem se ouvia falar. O sujeito ou era normal ou era louco, não tinha meio termo.
Três dias depois, meu pai apareceu em Piratini com a camionete.

Outro fato marcante na minha juventude foi meu fanatismo pelo futebol. Jogando, entrava em qualquer dividida, não interessava o tamanho do adversário. Jogava em qualquer condição, posição, podia estar lesionado, com febre, com dor de dente, ia sempre. Em feriados e nos sábados costumava jogar a tarde inteira nos campos de pelada da Redenção. Numa sexta-feira santa, minha mãe me alertou que não deveria ir por causa do feriado religioso. Não adiantou nada, fui. Naquela sexta-feira santa, de repente, estico demais a perna e quebro a bacia. Fui hospitalizado, sofri uma cirurgia, fiquei 27 dias sem poder me mexer encima de uma cama. Depois que me levantei, era como se precisasse aprender a caminhar de novo. Cinco dias depois estava fardado num campo de futebol. Não podia chutar com o pé direito, e não podia cair. Alguém me empurrou, eu quase caí e então vi que era impossível. Voltei pra casa. Acho que minha mãe morreu sem saber que eu fiz isso. Dois meses depois já estava em plena forma jogando normalmente.
Já na faculdade, alguns anos depois, numa partida, quando me preparava para fazer o quinto gol, o zagueiro adversário acertou um pontapé em cheio na minha cabeça. Fui acordar a caminho do Pronto Socorro, levado pelos meus colegas. Isto foi num sábado pela manhã, fiquei tonto até segunda-feira, e em observação. No sábado seguinte estava de novo em campo. Fomos campeões da Faculdade de Veterinária e eu fui goleador do campeonato.

Depois de adulto, já casado, em 1992, tive a oportunidade, numa época que a confecção atravessava grandes dificuldades, de ir ao estado de Tocantins, a convite de um amigo, José Manganelli, que tinha negócios por lá. Pensava na possibilidade de uma mudança para o norte. Eu e esse amigo fomos com o meu Fusca 1600. Que fusca ! Andei muitas tempo a 125 Km por hora e ele sereno, tranqüilo. Ultrapassava Tempra, imaginem! Falo do Tempra porque, na época, era o carro do momento.Viajamos dois dias, sem parar, enquanto um dirigia o outro dormia. O fusca foi e voltou e nem sequer furou um pneu. Às vezes, pelo calor, era obrigado a deixar aberto o capô traseiro. Lá, por dois meses, a maior parte do tempo de caminhão, percorri os estados do Tocantins, Pará e Maranhão. Tive como companhia um funcionário desse meu amigo, o Paulo. O Paulo, vendedor da firma, era um sujeito muito agradável, de um bom humor impressionante. Poucas vezes na minha vida me diverti tanto. Certo dia saímos de Araguaina em Tocantins e fomos a Açailândia no Maranhão cobrar, de um candidato a prefeito, uma dívida. Era véspera de eleição para prefeito e meu amigo tinha vendido camisetas da campanha. Vendeu mas não recebeu. Chegamos à casa do prefeito na véspera da eleição. Era começo da tarde. Na casa um movimento intenso de entra e saí, e nós ali. Enquanto providenciavam uma solução, eu e o Manganelli ficamos jogando xadrez para passar o tempo. Quando eram 11 horas da noite, com um telefonema de Brasília, veio a notícia de que no dia seguinte poderíamos ir a São Luiz do Maranhão, na casa de um político muito importante, que metade da dívida seria paga. Eu, louco por aventura, me candidatei a ir buscar o dinheiro. Eu e o Paulo embarcamos num Fiat Fiorino e nos fomos. Pegamos a direção errada e chegamos na divisa com o Pará. Estávamos indo para Belém. Voltamos a Açailândia e rumamos enfim em direção a São Luiz. São aproximadamente 750 quilômetros de estrada. Lá pelas 4 da manhã estávamos tão cansados que não adiantava mais nos revezarmos ao volante. Tiramos um cochilo a beira da estrada, dentro do carro. Uma hora depois retomamos a viagem. Chegamos a São Luiz do Maranhão perto do meio dia. Fomos em direção à praia, onde tratamos de comer alguma coisa. Depois iríamos achar a tal casa. No restaurante a beira mar, quando me mostraram o menu, tapei as letras e fui aos números. O que era mais barato era um tipo de sopa de frutos do mar. O Paulo pediu outra coisa. Saímos e tratamos de achar a tal casa. Encontramos não uma casa, mas uma fortaleza. A casa ocupava um quarteirão, só se via o muro. Há poucos anos atrás a revista Veja fotografou esta casa do alto e só então pude conhecer o que havia atrás dos muros. Batemos numa porta estreita, e veio um velhinho que nos informou que os patrões haviam saído, que teríamos que esperar. E o sol brilhava no firmamento. Não tinha nem um banco para sentar. No carro, nem pensar, era um forno. Fomos esperando, que remédio. Lá pelas tantas voltou o velhinho. Entregamos um bilhete explicando a situação e depois de algum tempo ele voltou com um embrulho cheio de dinheiro. Nem pediu recibo. Pegamos aquela dinheirada (lembro-me que aquela época dava para comprar um carro usado em bom estado), entramos na Fiorino, dei metade para o Paulo contar, eu contei a outra. Somamos as duas metades, estava certo, tudo ali. Agora é sebo nas canelas. Peguei a direção e saí a jato, a Fiorino voava, 140, 150 Km por hora, só diminuía quando entrava num povoado. Dirigi sozinho os 750 Km praticamente sem parar. À 50 Km de Açailândia avisei o Paulo: a sopa do meio dia começou a fazer efeito. Quando cheguei ao hotel em que o meu amigo Manganelli estava hospedado em Açailãndia, eu estava péssimo. Eles me disseram que iríamos imediatamente para Araguaina. Dalí até lá são aproximadamente 400 Km. Nem pensar, daqui não saio. Tanto insistiram que acabaram me levando. Que loucura! No outro dia saí da pensão da Dna Iracema, onde parava, reunindo minhas últimas forças. Não é exagero, era assim que me sentia. Fui numa farmácia e me automediquei.
Apesar de alguns pesares foram dois meses fantásticos, inesquecíveis. Muito calor, grandes distâncias, estradas péssimas, comida nem sempre confiável, costumes diferentes, mas valeu.
Decidi, no entanto, não levar minha família para lá.

De volta ao sul, continuei com a confecção. Certa feita quando viajava de Pinheiro Machado para Piratini, no Rio Grande do sul, numa estradinha de chão muito ruim e num dia de chuva, a bateria do meu fusca pifou. Começou a sair fumaça. Parei o carro, levantei o banco traseiro e tratei de tirar a bateria e colocá-la para fora do carro. Sentei-me ao volante e fiquei ali esperando que alguém passasse, pois naquele local não tinha nenhuma casa próxima, o máximo que se ouvia era o canto dos passarinhos. Lá pelas cansadas como diz o gaúcho, quase três horas de espera, apareceu um caminhão que ia para Piratini. O motorista parou, falei do problema, perguntei se ele tinha uma corda. Então, atamos o fusca atrás do caminhão. Faltavam aproximadamente 30 Km para chegar à Piratini, eu no volante não enxergava quase nada pois estava chovendo e o caminhão jogava barro no vidro. Eu não tinha limpador de para brisa, pois estava sem bateria. Às vezes precisava botar a cabeça para fora do carro, de modo a enxergar alguma coisa. E a corda não podia nem ficar muito esticada, nem muito solta, tinha uma extensão certa. Quem é daquela região sabe o quanto aquelas estradinhas sobem e descem, curva encima de curva, pedras na estrada e buracos. Pois o motorista do caminhão não parou nenhuma vez, foi direto, passou a ponte do Passo da Vila, entrou na cidade e só parou na oficina. Quando cheguei lá minha perna direita meio dormente meio doendo, pela quantidade de vezes que tive que acionar o freio para não bater no caminhão.

Estas foram algumas das aventuras, momentos que estão gravados na minha memória e que em roda de amigos, de vez em quando, voltam à tona.

Muito embora as aventuras possam ser precedidas de um planejamento, todas são diferentes, quer pela dificuldade encontrada, quer pelo nível de preparo que o aventureiro se encontra. Cada pessoa tem seu modo de enfrentar os desafios, tem uma maneira própria de sentir os acontecimentos.

No caso desta viagem de moto que realizei, o grande diferencial foi; ter quase 53 anos; ser portador de uma artrose coxofemoral bilateral, que não me permite uma abertura de perna normal; nunca ter andado de moto até dois meses antes da viagem; enfrentar uma viagem de praticamente 8000 Km; sozinho; e pela primeira vez e em outro país. Para subir numa moto, não interessa o tamanho dela, só consigo colocando o pé encima do estribo e com o tripé acionado. Sem isto, não consigo passar a perna para o outro lado. Para descer, o mesmo procedimento. Imaginem numa moto alta como a Falcon. Comprei uma Falcon NX 4, com 400 cc já de início, quando o normal era ter dirigido primeiro motos de menor cilindrada.
O sucesso de uma aventura, como tudo na vida, depende de sorte. Igualmente, se você quiser fazer alguma coisa de importante, tem que pagar o preço. No livro “O Banco”, continuação de outro livro “Papillon”, o escritor afirma que quantas vidas tivesse, tantas gostaria de ser um aventureiro. Não conheço uma maneira melhor de viver intensamente. Durante uma aventura é como se os dias se alongassem, vivesse uma vida a cada dia, perdemos a noção da idade, todo dia é como se renascêssemos. Mas como afirmei, tudo tem seu preço.

O dito popular fala que Deus, às vezes, escreve certo por linhas tortas. Acho que foi o caso do nascedouro desta aventura.

Quando comecei a confecção, em 1985, precisava de um contador e meu primeiro foi o Irio Sartor. Excelente pessoa, mas que infelizmente em seguida ficou impossibilitado de seguir e me indicou o Agostinho Damázio, que durante alguns anos nos prestou excelente serviço. Numa oportunidade em que estávamos com a confecção localizada em um prédio na Av. Centenário, lá se estabeleceu outro contador. Entrei em contato com ele e como o Damázio já tinha uma boa clientela, resolvi prestigiar meu vizinho. A princípio o Damázio não gostou muito, mas como o tempo é remédio para quase tudo, tudo ficou bem. Pois foi esse terceiro contador que me deu a idéia dessa aventura. Não mencionarei o nome dele, por respeito aos anos que me serviu.

8 de Setembro de 2007 – 102 dias antes da viagem - Quando tudo começou.

Foi num sábado pela manhã que fiz uma visita a casa do “Contador”, pois tinha urgência em ouvir seu parecer a respeito de um negócio que pensava realizar. Lá ouvi sua opinião, e quando já tratava de ir embora, ele me fez a seguinte declaração: “É preciso aproveitar a vida”. Ao que eu respondi:”É mesmo”. Aí ele afirmou que iria ao final do ano para o Chile, que já fazia um ano que se preparava, e iria sozinho. Aí eu disse:”Vou também”. Aí ele me informou que iria de moto. Bom, de moto, nem pensar!
Minha única experiência de moto foi lá pelos 19 anos de idade, na fazendo do meu tio Ivo, em que o Darci Antônio, meu primo, tinha uma moto 150 cc. Um dia de manhã ele estava lavando a moto e o motor estava ligado. Eu subi na moto e pedi que ele me desse algumas dicas de como aquilo funcionava. Na época eu nunca tinha dirigido nada, nem moto, nem carro. De repente eu tirei a mão da embreagem, a moto deu um pulo e eu saí andando. A moto foi para a esquerda, num pasto que havia na frente da casa. Ia em direção a uma cerca que dava para um potreiro. Consegui virar a moto para a direita e fui em direção a uma estreita estrada de terra e pedra, caminho da propriedade. Cruzei do lado de uma árvore e antes que chegasse à estrada me lembrei onde ficava o freio de mão. Em fração de segundo estava estendido no meio do pasto. Meus primos Darci Antonio e Heloisa Helena assistiram a cena e quase morreram de rir. E eu num constrangimento danado. Não me machuquei, mas nunca mais quis saber de moto. Em casa proibi minha filha de andar de carona com algum namorado motoqueiro. Moto nem pensar.
Pois naquele sábado de manhã, olhando para as motos que o “Contador” possuía, resolvi de repente aceitar o desafio. Disse que até dezembro trataria de tirar a carteira de motorista, compraria uma moto e iria para o Chile. Cheguei em casa e contei a novidade para a Regina e para Fernanda. Elas me deram força. Acharam um pouco complicado, mas acreditaram na idéia.
Não é qualquer um que tem uma família assim. Nós lá em casa sempre fomos otimistas, nunca nos amedrontamos com nada. Nada de achar as coisas impossíveis. Nos nossos 22 anos de confecção, enfrentamos de tudo. Enfrentamos o Color, o Sarney e o Fernando Henrique. Agora estamos enfrentando o Lula, portanto, ninguém nos intimida. Por incompetente que seja, damos um jeito e nos mantemos em pé.
Fiquei animado, é disto que eu estava precisando. Disse para a Regina, isto vai mudar a minha história de vida, tu vai ver. Fiquei empolgado e já comecei a usar a imaginação. Vamos dar um jeito nisso.

14 de Setembro de 2007 – 96 dias antes da viagem

Depois de avaliar algumas auto-escolas, de ter feito 1 hora de aula, me inscrevi na Auto Escola Santinho, que mais tarde pude constatar que muito santinha não era. Meu primeiro instrutor foi Sr. Gava. Nesta primeira aula, depois de ficar girando 1 hora numa pista de terra, ao parar a moto caí de todo o comprimento, meu primeiro tombo. Mas não foi nada que pudesse me desanimar.

18 de Setembro de 2007 – 92 dias antes da viagem

Neste dia fiz o exame médico e dos olhos.
À tarde, já com outro instrutor, o Lucas, caí meu segundo tombo, ao parar numa subida. Desequilibrei-me e fui para o chão. Não foi nada. Acontece.
À noite tive a primeira aula de direção defensiva, curso obrigatório de 3 dias para quem renova a carteira de motorista ou quem vai, como eu, incluir uma nova categoria de veículo na carteira, no meu caso a moto. O curso, que a princípio parecia ser enfadonho, teve momentos bem interessantes; informações, cuidados, legislação, primeiros socorros. Valeu a pena.

24 de Setembro de 2007 - 86 dias antes da viagem

Na volta de uma viagem de carro à Curitiba passei numa loja em Camburiu e comprei botas, luvas, calça e jaqueta de couro. Já estava me achando o motociclista.
Desde o primeiro dia comecei a pensar que moto comprar, usada ou nova, baixa ou alta cilindrada, etc. Motos de alta cilindrada novas são relativamente caras. Se usadas tem o problema das peças de reposição, dependendo do ano e do modelo, além de não termos certeza das condições em que elas estão quando as adquirimos. Quem definiu esta situação foi o Sr. Rafael Barbosa, vendedor da Dimasa, concessionária Honda de Criciúma, que me apresentou pela primeira vez a Falcon NX4, uma moto de cor preta com detalhes em vermelho, 2007, zero Km, e com 400 cilindradas. Ele me falou muito bem dela, no que tinha toda a razão. Subi nela, os pés mal tocando o chão, mas ele disse que depois não teria problema, era só uma questão de prática. Tanto ele, como eu, não contamos que eu tinha uma artrose, que limita minha abertura das pernas. Sem levar isto em consideração, ali estava a moto ideal, por um preço razoável, com conforto e capacidade para realizar minha viagem. Preço: R$ 14.400,00 a vista. Lá na concessionária tinha um senhor que me passou a seguinte informação: “agora no final do mês que vem, outubro, a Honda lança os novos modelos e tu fazes um negócio melhor”. Esse conselho valeu.

11 de Outubro de 2007 – 69 dias antes da viagem

Depois de 15 aulas, algumas sob chuva, finalmente chegou o dia da prova prática. Amanheceu chovendo e choveu o dia todo. À tarde era a prova. Pela manhã fui ao local do teste para dar mais uma treinada, mas o instrutor me alertou que a pista estava bastante encharcada, que era melhor não piorar a situação e esperar pela tarde. À tarde cheguei cedo, fui com o instrutor até a pista e enquanto a pessoa que julgava o teste de moto avaliava os testes de baliza para condutores de carro, ele deixou que eu fizesse uma volta completa. Consegui, apesar de alguma dificuldade, não errar nada. Quando chegou a hora, fiquei por último. Vi meia dúzia de pessoas rodarem e minha ansiedade foi crescendo. Quando chegou minha vez, respirei fundo, pequei a moto verdinha da auto-escola e fui. Que alívio quando completei o percurso sem nenhum erro. Passei, agora, acreditem ou não, sou motoqueiro. Aqui vai uma crítica. Jamais eu poderia sair dali e dirigir uma moto, não estava preparado de jeito nenhum. Ainda mais se tratando de uma Falcon 400. Mas eu tinha pelo menos consciência disso. Agora é tratar de aprender.

18 de Outubro de 2007 – 62 dias antes da viagem

Fui no Dr. Roberto de Bernardi providenciar exames médicos. Exames de sangue, ultra-som dos rins (tive cálculos renais anteriormente) e próstata.

19 de Outubro de 2007 – 61 dias antes da viagem

Depois de muita espera, finalmente apareceu a Falcon 2008 na Motozan em Criciúma.Preço: R$14880,00. Depois de muito choro baixaram para R$14700,00 a vista. Era uma sexta-feira, fiquei de voltar na segunda, para fechar o negócio. Emprestaram-me até o manual dela para ler no final de semana. Li quase tudo.

20 de Outubro de 2007 – 60 dias antes da viagem

Comprei o capacete amarelo da Nitro. Muito bonito, mas irá no futuro revelar um grande defeito.
É sábado, e vou novamente na casa do “Contador” e conversamos sobre a viagem, preparativos, motos, etc. Com esta conversa resolvo fazer algumas investigações. Descubro na Internet, através de uma coleta de preços, que historicamente nos últimos seis anos a diferença de preço médio entre cada ano é de R$685,00. Como a Falcon 2008 veio igualzinho a 2007, com exceção da cor, achei ser mais negócio ganhar os 700 agora do que depois. Na Dimasa de Criciúma já me haviam oferecido uma 2007 até por R$14000,00.

22 de Outubro de 2007 - 58 dias antes da viagem

Na primeira hora da manhã ligo para as revendedoras Honda de Tubarão, Laguna, Urussanga e Araranguá. Araranguá foi a última ligação. Até aquela ligação o preço informado era R$14880,00 com capacete de brinde numa delas. Sr. Hélio, da Dimasa de Araranguá, me informou que tinha uma Falcon 2007 preta, zero Km, por R$13262,00. Não acreditei. Pedi que se informasse melhor. Foi se informar e voltou dizendo que eu tinha razão, o preço estava errado, eram R$13400,00. Depois consegui mesmo comprar por R$13262,00. Neste dia mesmo paguei e agora além de motociclista legalizado, tenho uma bela máquina de 400 cc, que preciso domar até 20 de dezembro.

26 de Outubro de 2007 - 54 dias antes da viagem

Voltei ao médico para ver o resultado dos exames. Tudo ótimo. Receitou-me, para uma eventualidade, Flancox (antiinflamatório) e Tilenol (para dor de cabeça).
Neste mesmo dia recebi a moto em casa. Linda demais. Já comprei revistas sobre o Chile, mapa rodoviário do Mercosul, tenho lido tudo que posso sobre cuidados necessários, dicas de pilotagem, tudo enfim que envolve moto.
Neste primeiro dia, a moto no porão de casa, subi, me desequilibrei e 157 Kg caíram encima de mim. Já é o terceiro tombo parado, o primeiro com ela. Desta vez fiquei bastante incomodado. Fui dormir meio azedo. Mas amanhã é outro dia.

27 de Outubro de 2007 - 53 dias antes da viagem

Comprei um protetor de coluna da HFG. Estou me equipando com tudo o que há de melhor em termos de segurança.
Agora só falta a carteira, que, aliás, já devia ter chegado.

28 de Outubro de 2007 – 52 dias antes da viagem

Hoje o Deca, marido da Ceia, levou a moto pra mim até a Dimasa, onde tem um circuito de treinamento para motoqueiros, e lá o guarda, Sr. Altamiro foi muito legal. Tanto o Deca quanto o Altamiro procuraram me tranqüilizar, deram toda força. O Altamiro colocou 5 cones no meio do pátio de terra e eu fiquei treinando ziguezague o dia inteiro. Comecei às 9:30 e parei às 17:30. A Regina me levou o almoço lá, de modo que eu fiquei o dia inteiro me familiarizando com a Falcon. Minha maior dificuldade é fazer ela ficar de pé, tanto quando arranco, mas principalmente quando paro. Consegui derrubar mais uma vez a moto (quarto tombo), mas não estragou nada. Para terminar o Deca me levou na garupa até a casa dele.

01 de Novembro de 2007 – 48 dias antes da viagem

À tarde fiquei 1 hora e 20 minutos no Detran para renovar a carteira de identidade, já que descobri que carteira de identidade para quem sai do país tem validade de 10 anos. Fica pronta dia 14 de Novembro.
Dali fui na Auto Escola Santinho ver se finalmente minha carteira de motorista estava pronta, pois me prometeram que em 9 a 12 dias já estaria pronta, e já faziam 21 dias. O rapaz que me atendeu disse que houve alguns problemas, que a carteira voltou de Florianópolis por causa de umas taxas. Aí eu fiquei indignado e ele resolveu me levar ao Detran para que eu visse com meus próprios olhos que o problema não era com eles. Chegando lá, ele pediu para uma moça olhar no sistema e com o número do meu CPF ela não viu nada de importante. Pelos dados do sistema não dava para concluir nada. Aí eu resolvi me queixar com a moça, pois ela disse que eu deveria voltar lá dali 7 dias. Aí eu perguntei a ela como seria se ela dali 7, 14, 21 dias me desse a mesma resposta, para quem eu reclamaria? Então ela resolveu investigar, foi noutra sala e depois de algum tempo a Dna Mara Meller veio com uma lista onde aparecia meu nome, dizendo que naquele dia, 01 de novembro, deram entrada na minha carteira. Eu, sem querer acreditar no que estava acontecendo, comentei que finalmente havia saído a carteira, ao que o rapaz me disse que não era bem assim, foi me retirando de lá e me conduziu de volta à Auto Escola Santinho. Lá ele me informou que neste dia é que a carteira estava voltando para Florianópolis. Aí eu fiquei indignado e ele resolveu chamar outro senhor da Auto Escola, superior a ele, pessoa essa que ao chegar me afirmou que o problema é que a partir do dia 12 de Outubro houve uma troca no sistema em Florianópolis, que eu não era o único prejudicado, que haviam voltado uma série de carteiras, deu exemplo até de um padre indignado com a situação. Mais do que indignado resolvi ir ao Detran novamente manifestar minha indignação. Lá chegando falei com Dna Mara Meller, que muito prestativa, resolveu achar o meu processo. Quando o encontrou, mostrou que o mesmo nunca havia ido à Florianópolis, que apenas neste dia a Auto Escola Santinho encaminhara e que eles estavam mentindo para mim. Ela, indignada com a situação, pelo fato da Auto Escola Santinho colocar no Detran a culpa pelos seus erros, resolveu chamar o rapaz da Auto Escola. Ele veio, tentou mudar a situação, fez um teatro muito mal feito, mentiu descaradamente. Dna Mara resolveu então nos levar a presença do Delegado do Detran. Ao chegar lá expôs o ocorrido, disse das mentiras da Auto Escola Santinho, com o que o delegado concordou. Mas na verdade ficou por aí. Apenas o desmascaramento de uma situação e a advertência que tal fato não se repetisse. Voltei à Auto Escola. Perguntei a eles porque me mentiram. Um absurdo, uma total falta de vergonha. Agora precisarei esperar mais 1 semana, quem sabe duas, para poder andar de moto legalmente. E o dia da viagem se aproximando.

3 de Novembro de 2007 – 46 dias antes da viagem

À tarde resolvi andar de moto. Tirei-a de casa, mas não consegui fazer ela pegar. O vizinho, com mais experiência, tentou fazer pegar no tranco umas quantas vezes, mas não deu, desistiu.

4 de Novembro de 2007 – 45 dias antes da viagem

Pela manhã chamei o Deco. Ele mais o filho vieram de moto. Empurraram a moto um monte e nada. A moto não pega.
À tarde a Dimasa mandou uma camionete, embarcaram e levaram.

7 de Novembro de 2007 – 42 dias antes da viagem

Consegui na Dimasa em Criciúma que eles ficassem com a moto lá e eu iria todos os dias treinar.
Fui hoje de manhã. Treinei 2 horas sem problema.
À tarde caí duas vezes(quinto e sexto tombos). A primeira vez na curva, não venci, acelerei demais e caí sobre o canteiro. Foi o pior tombo até agora. Machuquei a mão e as costas. Entortei a haste da embreagem, tive que comprar outra. Ralei a moto em
vários lugares. Na segunda vez caí parado, quase não arranhou nada. Nas duas vezes consegui levantar a moto sozinho, acho que com certa raiva.
Chegando em casa a Regina me aconselhou fazer musculação no Mampituba.
Falei com o Vilson, começo amanhã.

8 de Novembro de 2007 - 41 dias antes da viagem

Fui de manhã na Dimasa. Caí mais uma vez (sétimo tombo), derrapou na brita. Desisti de andar lá, pelo menos no meio da semana, quando tem menos espaço, pois os carros estacionam no pátio.
À Tarde fui para a musculação com o Vilson no Mampituba. Foi bem legal, ele me recomendou alguns suplementos alimentares, o Way Protein e o BCAA.
Fiz uma consulta a um ortopedista, em relação ao meu problema de artrose. O médico recomendou a musculação, haja visto que com os músculos fortalecidos existe uma menor carga a nível da articulação, contribuindo deste modo para que a artrose não aumente e que também não cause dor. Recomendou também que eu não fizesse nenhum exercício no sentido de tentar aumentar a abertura das pernas, o que certamente seria maléfico para a articulação.
Fiz musculação todos os dias, até o dia anterior à viagem, com exceção dos domingos. Um dia fazia musculação para os membros inferiores, exercícios abdominais e 30 minutos de esteira. No outro dia, musculação para os membros superiores e 30 minutos de esteira. Ao final de cada sessão, alongamento. Fiz musculação na Sociedade Recreativa Mampituba com o Vilson e a Fabi, eles foram excelentes. A Fabi sempre de olho nos meus erros de postura, sempre pronta a corrigir.. O Vilson, no início, alertara-me que o tempo de treinamento antes da viagem, não era o ideal, mas pelo menos eu saia do zero, melhor do que nada. Eu acredito que representou muito para mim durante a viagem. Para próximas aventuras quero me preparar bem mais.

10 e 11 de Novembro de 2007 – 39 e 38 dias antes da viagem

Final de semana Fui três vezes a Dimasa pra treinar mais um pouco na moto. Agora é esperar a carteira.

14 de Novembro de 2007 – 35 dias antes da viagem

Saiu finalmente a carteira.

15 de Novembro de 2007 – 34 dias antes da viagem

Fui á Timbé do Sul. Parei num posto de gasolina para abastecer. O frentista reconheceu a moto que haviam me entregue dias atrás e ficou inconformado dela já estar meio riscada, e seguiu naquela lenga lenga, não parava de lamentar, e eu fui ficando p... da cara. Não xinguei o cara para já não me stressar na largada. Jurei que da próxima, meto a boca nele. Até hoje nunca mais fui lá abastecer. Perderam um cliente. Na ida uns mal educados de um Fiat Uno chegaram até a mostrar o dedo pra mim, pois andava a 50 Km por hora na reta. Em Timbé do Sul cai duas vezes, parado (oitavo e nono tombos).
À tarde fui à Primeira linha e voltei. Quando estava voltando, ao passar por uma lombada, devo ter engatado uma marcha errada, a moto começou a fazer uns barulhos estranhos, pronto, acabei com a moto. Segui um pouco e estacionei. Liguei pra o “Contador”, isto era um sábado á tarde. Ele disse que vinha ver. Veio, andou, disse que não era nada. Pediu para eu subir na carona. Foi em direção ao quartel, botou 120 por hora na moto, eu sem capacete. Pedi desculpas a ele, dei-lhe um abraço de urso, se caísse levava ele junto. Se já estava assustado, mais assustado fiquei. Pedi para o filho dele levar a moto para mim. Por hoje chega, já foram muitas emoções, como já dizia o Roberto Carlos.

17 de Novembro de 2007 – 32 dias antes da viagem

Fui de carro a Araranguá atrás de quem fizesse umas botas com uma plataforma mais alta, de modo a aumentar minha altura para ver se paro de cair.

18 de Novembro de 2007 - 31 dias antes da viagem

Pela manhã fui até a Primeira linha, voltei, no quartel virei à direita e fui até Içara e voltei. Não me senti bem. Tomei a decisão de parar.

19 de Novembro de 2007 – 30 dias antes da viagem

Fui à Dimasa. Ofereceram-me uma Shadow 98 por R$15.500,00. Tenho que dar R$3.500,00 de volta.

20 de Novembro de 2007 - 29 dias antes da viagem

Botei a moto à venda – R$12.800,00

21 de Novembro de 2007 - 28 dias antes da viagem

Tive a idéia de baixar o estofamento do banco. Com isto, mais as botas, talvez de pé. Peguei o banco da moto, fui ao Magal, estofador e amante de motos. Ele tirou o tecido do banco, pegou uma faca afiada e tirou o que pode de espuma. Fui para casa. Lembrei-me que eu tinha uma faca elétrica que havia comprado no Chuí certa feita. Tirei de novo o tecido do banco e dei mais uma caprichada. Voltei no Magal, ele recolocou o tecido.
Minha Falcon agora ficou linda, parece um cisne preto.

23 de Novembro de 2007 - 26 dias antes da viagem

Fiz encomenda de um par de botas. Encontrei o Eroni, um colega Médico veterinário, gente da melhor qualidade, que me indicou um fabricante de botas no Caravágio. Fui ao Caravágio e lá me indicaram outro fabricante no Rio Maina. Devem me entregar as botas daqui uma semana. Elas são semelhantes às usadas pela Policia Militar, tem até caneleira.

30 de Novembro de 2007 – 19 dias antes da viagem

Os Irmãos Ronconi me entregaram as botas. Nota 10.
Dias depois pedi para aumentarem mais um pouco.

01 de Dezembro de 2007 - 18 dias antes da viagem

Fui até a Dimasa. Entortei um pouco o tripé da moto, para ela poder ficar mais deitada ao estacionar.
Saí de lá, fui até Timbé do Sul. Almocei lá e voltei. Tudo aprovado, banco e botas.
Acho que agora não caio mais parado.

2 de dezembro de 2007 – 17 dias antes da viagem

Subi a serra do Rio do Rastro, que liga as cidades de Lauro Muller a Bom Jardim da Serra. Fui pela manhã e voltei à tarde.
Esta experiência foi decisiva pra que eu me encorajasse a fazer a viagem.

9 de Dezembro de 2007 – 10 dias antes da viagem

Fui a Timbé do Sul e voltei. Comecei a me acostumar a andar entre 80 e 90. Cheguei a colocar 105 Km/hora na reta.
Tudo bem, estou melhor, decidi que vou.

11 de Dezembro de 2007 – 8 dias antes da viagem

Fui para Praia do Rincão treinar pequenas manobras em ruas estreitas, entra a direita, esquerda. Caí três vezes (décimo, décimo primeiro e décimo segundo tombos).
Quando cheguei em casa omiti duas quedas.

12 de Dezembro de 2007 - 7 dias antes da viagem

Falei com o “Contador”. Disse a ele que resolvera ir dia 29 de Dezembro.
Ele disse que vai dia 20.
Então para não ir só, apesar de perder o Natal com a minha família e as Bodas de Ouro dos meus sogros dia 28, resolvi antecipar, vou com ele.
Comprei uma churrasqueira (suporte para colocar alforjes, baús, etc), uma pequena barraca, providenciei a carta verde (seguro contra terceiros no exterior) e o seguro da moto. Seguro de vida, pra quê?

16 de dezembro de 2007 – 3 dias antes da viagem

Saí bem cedo e fui em direção à Braço do Norte. Voltei duas horas e onze minutos depois, sem parar nenhuma vez. Nunca havia andado tanto tempo sem parar. Pude perceber que o banco, mesmo com menor quantidade de espuma, pouco perdeu em termos de conforto. Deverei ter condições de dirigir por mais tempo, sem problemas.

A Falcon é uma moto alta. Rebaixando a suspensão dianteira e traseira, diminuindo a altura do banco, usando uma bota de solado alto, aproximadamente 3 cm, eu consegui ter mais chance de ficar em pé. Mas porque não comprar uma moto mais baixa? As de menor cilindrada costumam ser mais baixas, mas não seriam aconselháveis para um percurso longo e com terrenos desconhecidos. As custom, são mais baixas, confortáveis, mas são mais caras e em terrenos ruins tem fraco desempenho. A Falcon é, e mostrou ser, a moto ideal. Por isso insisti na Falcon e nisto eu estava inteiramente certo.

Muitas vezes me alertaram que dirigir moto é muito cansativo, não é o mesmo que carro, que eu não estaria preparado. Eu sempre pensei o seguinte, eles até podem ter razão, mas eu dirijo carro há 30 anos, já percorri aproximadamente 2 milhões de quilômetros, por estradas de todo tipo e condições, já atravessei o país de carro, já consegui andar 11500 Km num mês, já dirigi com sono, cansado, doente, já fiz de tudo. Guardadas as diferenças, duvido que não tenha resistência para isso. E nisto eu também estava certo.

Quanto ao meu companheiro de viagem, o “Contador”, à medida que se aproximava o dia da viagem, mais eu tinha a intuição de que não estava com a pessoa certa e isto se confirmou. O “Contador” disse que sairia dia 20 e que subiria a Serra da Rocinha, uma estrada de terra horrorosa que liga Timbé do Sul em Santa Catarina a Bom Jesus no Rio Grande do Sul, passando por São José dos Ausentes. Eu já passara por lá de carro umas três vezes e em todas elas, apesar da economia de quilometragem, acabava me arrependendo, teria sido melhor fazer a volta por São Joaquim. Mas ele se mostrou determinado, iria pela serra. Eu, para não contrariá-lo disse que sairia um dia antes, iria por São Joaquim, pegava um pouco mais de prática, e o esperava em Vacaria.
Eu sempre digo que tenho muita fé em Deus, mas que tenho certeza da existência do diabo. O diabo é a ignorância. Como é triste a ignorância, a grossura, a falta de sensibilidade. E como a gente se engana com as pessoas. Às vezes a gente lida com uma pessoa por anos e só descobre como ela é realmente, muito tempo depois.

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