domingo

A Volta

12 de janeiro de 2008

Levantei e saí para ver se consigo carona. O vento está muito forte.
Um senhor abriu a porta da lancheria, largou, sem segurar, o vento arremeteu a porta contra a minha testa. Se pega um pouco mais de jeito ia fazer um estrago.
Depois comecei a pedir carona. Um argentino filho da p... não me deu carona por que estava com pressa. Fiquei p... da cara. Ora bolas, não dar carona por que tem pressa! Quando pensava que não conseguiria mais , um casal, que pensava fosse um casal, num Ka, me deu carona. A moça ainda me perguntou: “Mas é só um?”. Sim eu respondi, estou solo.


Eles são ótimos, Marcos e Amélia.


Daqui um mês Marcos se casa com a irmã de Amélia. Marcos nasceu em Rio Gallegos e Amélia é de Paraná, mas mora também em Rio Callegos. Estão indo para Calleta Olívia. O que eles foram fazer naquela distância, fiquei sem saber, não perguntei. Marcos é professor, Amélia é secretária. O papo foi muito bom. Falamos de futebol, música, Guerra das Malvinas, problemas com uma Indústria de Celulose espanhola, que está se estabelecendo no Uruguai e que vai contaminar o rio da Prata. Conversamos ainda sobre petróleo e culinária (deram-me a dica do Cordeiro ao Palo).

Quanto à Guerra das Malvinas é interessante fazer alguns comentários:como todos sabemos, foi um conflito armado entre a Argentina e o Reino Unido, ocorrido nas Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul entre os dias 2 de abril e 14 de junho de 1982 pela soberania sobre os arquipélagos austrais tomados por força em 1833 e dominados a partir de então pelo Reino Unido. A Argentina reclama ser este arquipélago parte indivisível de seu território. Na Argentina, a derrota no conflito fortaleceu a queda da Junta militar que governava o país e que havia sucedido as outras juntas militares instaladas através do golpe de estado de1976, e a restauração da democracia como forma de governo. Já do outro lado, a vitória permitiu ao governo conservador de Margaret Thatcher realizar sua reeleição em 1983. Até hoje, pude observar durante a minha viagem, tanto pelo que vi como ouvi, os argentinos, acho que na sua maioria, falam das Malvinas como se elas lhes pertencessem. Isto foi tão marcante, que em determinado momento cheguei a imaginar que a Argentina, por via diplomática tivesse conseguido esse reconhecimento. Ledo engano. Acredito que este conflito deixou algumas graves seqüelas; o Chile apoiou abertamente o Reino Unido, o Peru apoiou os Argentinos, inclusive ameaçando os chilenos caso resolvessem participar ativamente no conflito. Os Estados Unidos, descumprindo tratado, ficaram do lado da Inglaterra. Quanto ao Brasil, ao meu juízo felizmente, a posição foi de contrariedade ao Reino Unido. A época, no governo do General Figueiredo, quando um avião de guerra Inglês precisou pousar em solo brasileiro, só foi permitido seu retorno à Inglaterra sem armamento e sob a condição de não mais ser utilizado contra a Argentina. Quanto aos meios utilizados pelo Reino Unido pairam sérias dúvidas quanto ao abuso da força e do que determinam as convenções neste tipo de conflito, havendo inclusive suspeita de ameaça de uso de armas nucleares. Até 1999 ainda podia se observar no Aeroporto de Buenos Aires uma placa com os seguintes dizeres;”Las Malvinas son nuestras” (As Malvinas são nossas). Retiraram do aeroporto, mas na minha viagem mais de uma vez passei por placas à beira da estrada com esses dizeres. Os monumentos que encontrei em homenagem aos combatentes que perderam suas vidas, são bastante expressivos do sentimento argentino. De minha parte nunca tive grandes simpatias pelos ingleses, notadamente quando a história me ensinou que a Guerra do Paraguai, que envolveu Brasil, Argentina e Uruguai , fora uma manobra política do Reino Unido para destruir uma nação que na época era auto-suficiente, e isto por certo incomodava seus sonhos imperialistas. Em viagem, comentei com alguns argentinos sobre isso, e o fato de termos para com os paraguaios esta grande dívida, com o que concordaram.

Voltando à viagem, poucas caronas até hoje foram tão agradáveis quanto àquela, pena que não vão mais ao norte. Minha aventura é assim, às vezes muito bem acompanhado, outras, completamente só.




Monumento em Calleta Oliva



É o que aconteceu comigo quando chegamos a Calleta Oliva. Desci do carro, me despedi e fiquei sozinho no mundo.
Eram 14:00 hs. Tentei carona no posto por um bom tempo, por fim desisti.
Peguei um táxi que me levou ao terminal rodoviário. Lá chegando comprei uma passagem para Baia Blanca (150 pesos). Sai as 18:30 e chega a Baia Blanca as 11:57 hs do outro dia.
Que futuro isto me reserva? Quando o ônibus encostou não deixaram eu levar minha bolsa para dentro. Quando entrei, ônibus de dois andares, minha poltrona era no segundo andar de frente para a escada, praticamente encima do banheiro. Olhei para os lados, várias bolsas do tamanho da minha. Desci, fiz uma cara tão feia para o motorista que ele resolveu deixar eu tirar a bolsa do bagageiro. Depois que subi um funcionário foi me levar o chapéu que deixara cair. Ao lado da poltrona tinha água e café para servirem. O ônibus tinha vindo já de longe, sabe Deus de onde. Embaixo da torneira do café tinha um monte acumulado que deixaram cair fora do copo. Na frente uma mulher com uma criança de colo. Pensei, essa criança vai chorar. De repente a criança começou a chorar. Pronto, não falta mais nada. Estava completo, perfeito. O que é que eu fiz para merecer tudo isso? O cara do meu lado, acho que não foi com a minha cara. Perguntei se iria descer antes de Baia Blanca, não entendeu e disse que sim. Depois respondeu que ia para Posadas. Coitado, acho que era por isso que estava de mal humor.




Imagem captada à tardinha, da janela do ônibus, a caminho de Baia Blanca




Imagem do por do sol, captada do ônibus, a caminho de Baia Blanca


Quando o ônibus arrancou olhei para trás e vi uma poltrona desocupada lá trás, fui pra lá. Quando passamos noutro lugar, embarcou o dono, tive que mudar. À noite quando estava num sono profundo fui despertado por um sujeito mal educado, que queria o lugar dele e estava com pressa. Bem que poderia ser mais educado! Tudo bem! O lugar é dele. Arrumei outro. Lá adiante entrou outro, este mais educado me disse, algo do tipo infelizmente este é meu lugar vou ter que desacomodá-lo. Foi bem melhor, menos violento. Assim fui trocando, mas para a poltrona 19 não volto mais. Quando comprei a passagem só me deram duas opções: ou a 19 ou a 51. A 51 era a última, escolhi a 19.

No ônibus conheci um brasileiro, Cléber.

Cleber dormindo




Cleber nasceu no Rio Grande do Norte, mas mora a tempo em Porto Alegre. Rapaz inteligente, bom papo, boa cabeça. Já fez todo tipo de aventura. A moto, depois que caiu e teve problemas com o joelho, o médico recomendou que abandonasse. Vendeu a moto. Já fez mergulho, escalada, parapente, já se atirou de para-queda. Deu-me todas as dicas de como funciona um salto de pára-quedas. Já comecei a pensar a respeito. Foi para o sul da Argentina de avião. Lá encontrou uns mineiros, que foram péssima companhia. Um deles cismou que queria porque queria ir para a cama com uma argentina. Falava coisas na frente dela pensando que ela não entendesse, e o Cléber junto, ficou uma situação muito embaraçosa. Paravam em casas, que abrigavam várias pessoas. A argentina, com medo, se socorreu de uma alemã. E o Cléber com dificuldade de se livrar dos abobados. Quanto a mim, quando ouviu minhas histórias, disse que meu único erro foi querer acompanhar o pessoal de Uruguaiana. Quando a gente vai só, a gente vai no ritmo da gente e tem muito melhor chance de entrar em contato com outras pessoas, outras culturas. Em grupo é complicado. Gostei do Cléber, botou meu astral pra cima. Quanto ao meu amigo “Contador” me aconselhou a agradecê-lo pela grande oportunidade que ele acabou gerando e descartá-lo. Sobre as aventuras que fez, falou que à medida que vamos tendo noção, que vamos aprendendo as técnicas, o medo vai desaparecendo e dá pra enfrentar bem. Disse que a minha filha faz muito bem em aprender a falar Francês, porque no mundo sabendo Inglês, Francês, Espanhol e Português nos comunicamos em qualquer parte. Cléber tem 37 anos, tem uma filha de 14 anos do primeiro casamento, trabalha para uma multinacional desenvolvendo softer. Em casa disse que usa muito pouca internet, já usou muito e viu que estava ficando escravo do computador. Concordou comigo quando disse que gostava mais de tirar fotos das pessoas do que das paisagens.



13 de Janeiro de 2008

A viagem de ônibus segue difícil. Não param nunca para a gente descer. Estou há 15 horas aqui, já paramos em vários lugares, mas estamos fechados aqui dentro. Numa dessas paradas consegui fugir, comprei umas bolachas e uma pepsi.
Agora já é de manhã e está fazendo muito calor dentro do ônibus. Trata-se de um semi-leito que vai parando em todo lugar, pinga pinga no Brasil.
Quase 13:00, com uma hora de atraso, chegamos a Baia Blanca. Rodoviária péssima, um mural anuncia que vão construir outra, muito linda, mas ainda no papel. Coisa de político. Não tem serviço de informações, embora tenha mesa e uma placa dizendo que tem. Um senhor me dá um folheto com uma série de hotéis, de 4 até nenhuma estrela. O motorista de táxi é que funciona, quando falo que 80 pesos é caro, me recomenda um de 55. Pergunto se é limpo, seguro. Diz que sim. Pergunto quanto me cobraria no outro dia para me levar na ruta 3, na transportadora. 15 a 20 pesos. Fecho negócio. Espero-o amanhã aos 7:30 hs.
Chego ao Hotel. Bom em relação ao preço, tem ventilador, não tem mosquito, o chuveiro funciona, a TV também. Tudo certo. Fica bem no centro.
Baia Blanca é uma cidade grande, com avenidas bem largas. O hotel é bem no centro. Saio em direção à praça central. Vou de novo ao banco tentar a sorte. Não tem jeito, não sai nenhum centavo. Não resisto ao calor e passo numa sorveteria, peço uma casquinha com duas bolas de chocolate. Na hora de pagar a moça não tem troco, diz que depois eu pago. Que vou fazer? Vou de volta para o hotel, me deito, escuto um pouco de rádio, outro pouco de TV e depois durmo.